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Orgulho. Poder. Paixão
«(…) Mas, primeiro, uma palavra ou duas sobre
Yuste. A ordem dos Jerónimos está aqui há mais de um século e hoje é uma
comunidade rica, possuindo acres de terra fértil em abundância no vale, além de
pomares, olivais e vastos bosques nas colinas ao redor. Há pouco tempo,
construíram aquele segundo claustro bonito à esquerda, com apartamentos
pequenos e encantadores para o rei; seu pequeno palácio. Engenhosamente
acrescentado à direita, o monastério tornou-se uma verdadeira jóia aninhada num
mar cor de esmeralda de carvalhos e castanheiros sempre verdes. E mais adiante
à nossa esquerda, ainda há outra extensão igualmente necessária, os estábulos;
tu podes vê-los no pátio exactamente através da arcada.
O motivo de Carlos ter escolhido fazer o seu retiro
aqui, ninguém pode ter certeza realmente; mas é verdade que não foi para
tornar-se monge, isso é certo, para grande desgosto do prior. E quando
consideras os magníficos palácios a que Carlos foi acostumado no passar dos
anos, e o palácio espectacular que construiu em Granada, este dificilmente
parece ser um lar apropriado, tanto em tamanho como em localização. Nada mais
que dois andares, ambos idênticos, cada qual com quatro salas e um corredor
central. Seu grande isolamento pode ter sido a atracção. E, pensando bem, agora
que Carlos abdicou, este isolamento pode muito bem ser uma bênção para outros;
evitará a sua interferência nos assuntos de Estado. Enquanto ainda estamos
esperando, e não é um dia de Fevereiro tão frio assim para ficarmos por aqui,
vou dar-te algumas informações básicas sobre esse homem, o imperador Carlos V. Tem
quase cinquenta e sete anos e é viúvo há dezassete. Um homem envelhecido
prematuramente, atormentado pela doença, pelo peso da derrota, que veio para
passar o restante dos seus dias aqui, neste tranquila região, remota e
montanhosa do sudoeste de Espanha.
Nasceu em Flandres, e na época em que tinha dezassete
anos, era rei da Espanha e de vastos domínios, tinha herdado Flandres, os
Países Baixos e o título de arquiduque da Áustria. Logo depois de tornar-se rei
da Espanha, ele foi eleito, ou comprou, como alguns diriam, incluindo eu, a
Coroa do Sacro Império Romano-Germânico. Mas ouçam. Sim. Os sinos. Os sinos estão anunciando a sua chegada. Ele está aqui.
Veio para este lugar de paz e retiro, afinal. Já ouviste repicar de sinos mais
alegre? Alcançando as partes mais longínquas do vale, chamando a todos, regozijem-se,
porque o seu imperador e rei está aqui entre vós! Perdoe-me; a emoção do
momento fez-me perder a compostura. Agora vê, as portas da capela estão se
abrindo e aí vêm os frades nos seus hábitos, as túnicas brancas e os
escapulários castanhos dos Jerónimos. Vamos afastar-nos, lá em direcção aos
estábulos. Sim, este é um excelente ponto de observação; podemos ver e ouvir
tudo daqui.
Uma
cavalgada com cerca de cinquenta animais serpenteava caminho acima pela colina
coberta de árvores, ondulando em torno das últimas curvas da trilha de pedra,
passando pelos moradores locais, reunidos para vislumbrar a pessoa que tinha
dito a eles que era o rei. Ao entrar no pátio, a forma requintada da cavalgada
transformou-se num emaranhado hesitante de indecisões. Depois de vacilar e
andar em círculos, um grupo pequeno de cavaleiros guiou a liteira de dois
cavalos para a entrada da capela. O prior, com toda a solenidade e dignidade
praticadas por semanas, endireitou o seu manto de capuz castanho e aproximou-se
da liteira, em forma de uma caixa de madeira habilmente adaptada, que abrigava o
seu mais ilustre convidado. Um sussurro vindo detrás de Alonso e Manuel
exortou-os à acção. Certo, rapazes; vamos a isso. Manuel, Alonso, segurem
aquele cavalo lá atrás. Peguem os cabrestos». In Linda Carlino, Carlos V, tradução
de Leonor Cione, Editora Europa, São Paulo, 2008, ISBN 978-857-960-180-4.
Cortesia
de EEuropa/JDACT