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Se o resultado final foi fruto de uma subtil estratégia, os principais autores
espanhóis da mesma deverão ter-se sentido muito satisfeitos, uma vez que finalmente
a proposta foi feita pelo marquês de Louriçal..., e apresentada como ideia sua
ao conde de Floridablanca. Uma proposta que naturalmente foi aceite de imediato
por parte da corte espanhola. Ao fim de cinquenta anos, e de várias guerras
entre ambas as partes, Portugal ia receber como mulher de um dos seus infantes uma
infanta espanhola. E este não era um infante qualquer, mas o sucessor de um
herdeiro à coroa cuja mulher, de 37 anos, até então nunca tinha engravidado. Com
grande delicadeza, que não é possível saber se fruto de requintada ironia ou da
candura de uma mulher que sempre viu a vida através de um prisma muito
especial, a 21 de Novembro de 1783 a rainha dona Maria escreveu ao tio, o rei
de Espanha, uma carta na qual lhe explicava que ela sempre tinha considerado a
infanta Carlota como a melhor esposa para o seu filho, o infante João, mas que
nunca o tinha proposto devido à pouca idade da menina. Será que a rainha dona
Maria aludia às palavras encomiásticas escutadas da boca da sua mãe, dona Maria
Ana Vitória, depois da sua viagem a Espanha em 1777, quando o primeiro retrato
da infanta pintado por Mengs acabava de ser exposto em todo o seu esplendor em algum
dos palácios visitados pela rainha-viúva de Portugal?
S. M.
F. continuava a carta dizendo ao tio que, uma vez que este tinha mostrado tão
ternamente o agrado que sentia por aquela união, ela lhe pedia que lhe
concedesse esse gosto do qual resultariam tantas vantagens para as duas Monarquias.
Juntamente com a concessão da mão da sua neta Carlota ao infante João, Carlos
III solicitou à rainha dona Maria a mão da mais nova das suas filhas, a infanta
Maria Ana, para se casar com o infante Gabriel, que não só era o seu filho mais
querido, como também o sucessor directo do irmão, o príncipe das Astúrias. Uma
proposta que a rainha de Portugal aceitou de muito bom grado. Não apenas porque
indubitavelmente a protegia das críticas de alguns cortesãos portugueses,
perante a iminente chegada de uma infanta espanhola, mas também porque,
anteriormente, dona Maria tinha proposto a Carlos III que essa filha se casasse
com o filho do duque de Parma. Desta forma, o resultado obtido foi, não apenas mais
prestigioso, como também de maior valor político. Certamente também muito
respeitoso em relação ao vizinho português.
Assim,
Carlos III oferecia a dona Maria argumentos para enfrentar os opositores a um matrimónio
espanhol para o infante, aos quais podia dizer que, se bem que não se podia
descartar que um dia, por desígnio da Providência, no trono de Portugal se
poderia sentar uma rainha consorte nascida infanta espanhola, o matrimónio de Gabriel
com dona Maria Ana também deixava aberta a possibilidade, nada remota, de que
no trono espanhol se sentasse uma rainha consorte nascida infanta de Portugal.
Algo que o rei Carlos III se ocupou igualmente de deixar claro na corte
espanhola, disponibilizando a Gabriel a partir de então o privilégio de contar
com a sua própria Casa, sinal evidente do seu enaltecimento. A negociação do
contrato de matrimónio de dona Carlota teve início pouco depois de começado o
novo ano.
Entre
as generosas ofertas que a mãe do noivo decidiu então fazer à sua futura nora
destaca-se uma que foi imediatamente incluída no artigo 2.º do documento
definitivo. Segundo este, a R. F. entregava a Carlota as rendas que pertenciam
à Casa do Infantado, entre cujos bens se encontrava a antiga quinta de Queluz.
De momento, esta continuaria a pertencer ao marido da rainha, Pedro III, que a
tinha transformado num luxuoso palácio e num sítio real. Por outro lado, dona Maria
concedia igualmente à sua futura nora uma doação no valor de oitenta mil pesos,
que, assim como as jóias que ela tivesse, passariam directamente para os seus
herdeiros, se os tivesse. A rainha de Portugal ficava igualmente obrigada a
atribuir à infanta a soma necessária para os gastos da sua câmara, se bem que na
forma e maneira usadas, no seu novo reino. Em caso de dissolução do matrimónio,
numa cláusula que muitos anos mais tarde iria ser invocada como ameaça, a infanta
poderia ir onde quisesse, com os seus bens, dote, doações, jóias, criados, oficiais,
etc.. Enquanto Maria Luísa estudava atentamente os
rascunhos, para evitar que a sua filha viesse a sofrer um inconveniente que marcava
a vida de uma princesa estrangeira, a falta de entradas próprias,
apercebeu-se de que estava novamente grávida. Decorria o mês de Fevereiro de
1784». In Marsilio Cassotti, Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol, tradução de
João Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-626-170-2.
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