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A Longa Espera pelo Trono. O mundo que viu Sancho nascer e crescer
«(…) A partir de 1168, a aliança que faz com os almóadas, por intermédio
do seu nobre Fernando Rodrigues Castro, junto com uma reaproximação com o
futuro rei castelhano, parece terem-lhe dado a segurança de que necessitava
para de novo quebrar a precária paz que selara pelo casamento com Urraca
Afonso. E assim, a espiral de desentendimento e rivalidade entre os dois
monarcas, potenciada pelas conquistas de Afonso Henriques e Geraldo Geraldes no
Alentejo em regiões onde os interesses de Fernando II também eram relevantes,
só iria parar de rodopiar em Badajoz...
Não se pode esperar que um Sancho I ainda demasiado jovem para se
aperceber dos jogos de intriga política que neste contexto se disputavam
pudesse ter tido, em 1158, qualquer grau de consciência real dos perigos que
tinham afectado o reino português no rescaldo de Sahagún, nem da tensa e
complicada situação que a partir daí iria pautar as relações entre os reis
peninsulares. Mas não podemos pretender que o mesmo continue a ser verdade nos
meados da década de 60, quando, atingida a idade de 10 anos, o encontramos já
em Coimbra e até acompanhado por um chanceler privativo da sua casa. Não
devemos, talvez, esquecer-nos de que, pelo menos durante os séculos XII e XIII,
a idade adulta começava para estes rapazes aos 14 anos, pelo que 10 anos de
idade nesses tempos não podem ser encarados com os nossos olhos de hoje em dia.
É inegável que o mundo das maioridades e menoridades medievais não pode ser
visto à luz dos nossos conceitos actuais. Por isso mesmo, parece improvável
conceber que durante os anos que mediaram entre o seu nascimento e 1169 o futuro
rei pudesse ter crescido sem que o relato, as consequências e a memória de
acontecimentos tão importantes não tivessem penetrado os momentos que
presenciava ou em que eventualmente participava na corte do rei seu pai, ou os
momentos em que os membros da sua casa e seus próprios conselheiros já
começariam a introduzi-lo nas doutrinas em que um jovem príncipe deveria ser
ensinado.
Não é razoável partir do princípio de que Sancho nunca se tivesse
apercebido de assuntos de importância tão capital para o futuro governo do
reino que deveria herdar, ou que aqueles encarregados de o guiarem na sua
educação e aprendizagem como futuro rei não se tivessem preocupado em começar a
doutriná-lo, sobre os assuntos que enformariam seguramente as preocupações que
teria de encarar quando ascendesse à dignidade régia. Embora pareça irrealista
imaginarmos um Sancho I criado completamente à margem dos acontecimentos
fulcrais desses anos centrais do século XII, quer a nível da política externa,
em relação aos reis vizinhos e às nobrezas que alimentavam as numerosas clientelas
respectivas, quer em relação ao esforço de conquista que seu pai estava a levar
a cabo e problemas que essa política acarretava, não poderemos nunca avaliar
qual o grau de familiaridade que o jovem Sancho teve com todos esses importantes
desenvolvimentos.
O mesmo se diga do grau de consciência que o infante poderia ter da
relevância das querelas eclesiásticas que na época lavravam com tanta
violência, ou da tentativa de fazer reconhecer o reino de Portugal em Roma, com
as repercussões que qualquer destes assuntos poderia vir a ter na sua vida
quando ascendesse ao trono. Por muito jovem que o infante fosse, não poderia,
nos anos centrais da década de 60 do século XII, ter sido alheio ao fervilhar
das questões acima mencionadas, no agitado ambiente de Coimbra, nem às
estruturais alterações que se previa pudessem estar a ponto de acontecer. Havia
uma outra dimensão no relacionamento de seu pai com os restantes reinos peninsulares,
cuja relação com os sucessos a nível político era inegável e que não pode ter passado
desapercebida ao infante. Trata-se da querela que se gerou em torno do primado das
Hispânias, a qual se desenvolveu muito mais no contexto alargado da política peninsular
e europeia, dos inícios do século XII do que no das questões
eclesiásticas puras. A questão do primado das Hispânias é um exemplo
acabado de como a política eclesiástica e a política temporal não eram separáveis,
nessa Hispânia undecentista, e como a tentativa de converter a rede de sufragâneas
dos arcebispados num esboço de igrejas nacionais, acaba por parecer
estar sempre na raiz dos problemas. A querela tem os seus fundamentos na forma
de conceber a relação dos reis peninsulares com o território reconquistado e
com a estruturação da hierarquia da Igreja nesse mesmo território». In
Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates,
Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.
Cortesia de Bertrand/JDACT