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«(…) Tinha de ser preciso e rápido, porque ali
era passagem de peregrinos e algum deles poderia aparecer e atrapalhar o seu
trabalho. Sabia, no entanto, que a maioria não usava aquele atalho, mas o homem
o preferia porque levava carga e a criança. Pelo menos tinha sido esse o trajecto
feito por ele no sábado anterior e por sorte não errara em ficar ali, na
tocaia, saboreando por antecipação o sofrimento do outro, enquanto repassava na
memória os golpes que deveria dar. Traçara uma estratégia que julgara
inteligente. Tinha de acertar o burrico, na perna
direita traseira, para que ele sentisse a dor horrível e se assustasse, pondo
em perigo a vida da menina. Com certeza o espanhol estaria armado, mas
ficaria aturdido com a cena e, até que saísse da dúvida entre se salvava a
filha ou puxava a arma, ele o atacaria. O homem passou por ele, olhou-o com
atenção e cumprimentou: buenos dias. Ele também respondeu em espanhol: buenos dias.
O
animal andou mais rápido, assustado com a presença inesperada do intruso, e
assim abriu espaço para ele erguer o bastão e baixá-lo impiedosamente. A lâmina
cortante entrou na perna direita traseira do animal, logo abaixo do joelho,
quebrando-lhe o osso. O burrico deu um urro assustador, agachou-se sobre a
perna cortada, tentou firmar-se de pé, mas pendeu para o lado do barranco e
derrubou a menina, que desmaiou ao bater a cabeça no chão. O homem voltou-se
com rapidez e viu o peregrino avançar sobre ele com o bastão levantado em direcção
à sua cabeça. Tentou pegar o revólver que trazia escondido na cintura, mas não
havia tempo. Levantou o braço para amparar a pancada, mas não sabia que o
bastão era como uma espada afiada e, num instante, o seu braço foi separado do
corpo. O peregrino aproveitou o aturdimento que a dor causou na sua vítima e deu-lhe
uma rasteira, derrubando-o.
O
homem caiu de costas, gemendo, e, quando se tentou levantar, o peregrino pressionou-o
contra o solo com o pé direito sobre o peito e a ponta do bastão na sua
garganta. O espanhol sabia que aquele assassino não ia ter piedade. Tentou
virar o rosto para ver a filha, mas estava imobilizado por aquela arma no
pescoço. Se quiser que ela viva, diga-me: quem é o seu chefe? Para quem você
trabalha? O assassino insistiu com rudeza, com a ponta de ferro na garganta do
homem, que perguntou quase num gemido: mas, quem é você? Sou um homem inocente.
Não sei quem me contratou. Apenas me pagaram para seguir um peregrino. Nem sei
o nome dele. Não é verdade. Sabemos que faz parte de uma sociedade que usurpou
a insígnia dos antigos templários, mas são falsos e ajudam os inimigos da
Ordem. Diga quem é o seu Mestre, se quiser que a sua filha viva. Você vai
morrer, mas pode salvá-la. O homem estava estendido no chão, imobilizado com a
lâmina na garganta e sentindo a dor horrível do braço cortado do qual o sangue
esguichava sobre o pasto.
Não
minta! Você ganha para isso. Não é um Cavaleiro do Templo e desta vez recebeu
instruções especiais. Quais são essas instruções? Vamos! Diga! O espanhol
fechou os olhos e começou a rezar. Falhara na sua missão e agora a sua filha e a
sua esposa também estavam em perigo. A mulher seguira na frente para observar o
brasileiro e esperaria por ele no descanso da Virgem do Horizonte. Agora estava
com medo de que esse assassino também a perseguisse. Pedia a Deus que o
levasse, mas as deixasse vivas e sem perigo. Rezava para que algum peregrino
passasse por ali, naquele momento, mas Deus queria dele um sacrifício maior. O
sangue continuava a escorrer das veias expostas no braço decepado, que doía
terrivelmente. Mas quem é você? Por que fez isso comigo? Sei que vou morrer,
mas não faça nada à minha mulher e à minha filha, se tem amor a Deus. Sou um
mensageiro de Deus para vingar o que vocês fizeram contra Ele. O pavor aumentou
com o som daquela voz que parecia sair das chamas escuras do inferno e não
escondia a raiva por não ter nenhuma informação. O assassino olhou para o lado
e aquele corpinho, de bruços, com a saia levantada até a cintura, despertou de
novo os seus instintos animalescos e, com um gesto brusco, forçou a ponta do
cajado, que penetrou fundo na garganta do homem, matando-o. Não podia perder
tempo porque, apesar de ser uma curva que desviava um pouco do Caminho, havia
sempre o risco de outros peregrinos passarem por ali. Arrastou o corpo até a
beira do barranco e jogou-o no precipício». In AJ Barros, O Enigma de
Compostela, Luz da Serra, Geração Editorial, 2009, ISBN 978-856-150-127-3.
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