jdact
Colinas
de Nimrim. Palestina. 25.º dia do Rabi al-Thani no ano 583 da Hégira
«(…)
O pai explicara-lhe uma vez que a cor do mar não era mais do que o reflexo da do
céu e que, se por magia o Sol se apagasse inesperadamente, as águas dos oceanos
ficariam completamente negras como o firmamento. Mas o pai nunca lhe dissera que
a terra também podia ficar da cor do céu. Por isso, Hani olhava o horizonte, estupefacto
e emudecido, enquanto as lufadas de vento quente agitavam as crinas dos cavalos
enfileirados na colina que dominava o caminho para Tiberíades.
Os
últimos reflexos da luz do Sol que se punha atrás das muralhas de Lubia haviam-se
espalhado como um gigantesco tapete cor de púrpura sobre o vale, lá em baixo.
As armaduras e os elmos dos homens que ali confluíam lentamente, vindos de Manescalia,
recebiam a luz avermelhada e voltavam a projectá-la para cima. Pareciam milhares
de estrelas de um firmamento reflectido. Mas o espectáculo que a formação
muçulmana apresentava não era inferior. À direita da longa fileira de que fazia
parte, Hani conseguia avistar a mancha branca das túnicas da infantaria de apoio
de Jarwajaraya, que formava destacamento com as milícias Ahdath, reunidas em todas
as aldeias mais importantes da Síria. Um pouco adiante, as túnicas azuis da
Rajjalah, a infantaria da cidade de Aleppo. Apesar da distância, conseguia ouvir
as gargalhadas dos homens das últimas fileiras, a quem invejava a lendária
frieza em batalha. Hani sentia-se entusiasmado e, ao mesmo tempo, assustado, porque
daquela multidão de estandartes, armaduras, armas e cavalos deduzira que a batalha
em que participaria não seria como tantas outras.
Isto
sendo verdade, como alguém murmurava, que Salah ad-Din conseguira massacrar no
vale mais de dez mil guerreiros, incluindo os artilheiros do Califado de Bagdade
e os sapadores de Khurasan. De vez em quando, Hani levantava-se na sela, na
esperança de o ver. Mesmo que, no fundo do coração, soubesse que o comandante
não perderia tempo a passar em revista uma sarya de voluntários
mamelucos. Não, o seu lugar era certamente à frente dos melhores soldados,
daqueles que abririam as hostilidades ao nascer do Sol do dia seguinte.
Um destacamento
de reconhecimento a cavalo apareceu de forma inesperada no caminho que subia a
colina a sul. Os seus uniformes cor de areia levaram por alguns instantes a confusão
à ordenada formação da cavalaria mameluca. Um amir na sela de um poderoso
corcel negro foi ao seu encontro, detendo-se mesmo à frente de Hani. Os cristãos
estão a acampar ali para passarem a noite, disse um dos batedores depois de ter
levado a mão aos lábios e à testa, mas ainda não chegaram todos. Dois contingentes
estão a caminho. Ainda longe. Uma trança de cabelos cor de sépia ondulava-lhe
pela nuca como uma serpente que procurasse sair do elmo. O oficial muçulmano voltou-se
de repente para olhar para baixo. A maré de formigas brilhantes estava a fechar-se.
Não vejo o seu estandarte.
Sim,
respondeu o batedor apontando para um lugar indistinto em direcção ao pôr do Sol,
os soldados com a cruz ficaram na rectaguarda. Contámos três centenas. Metade a
cavalo. Mas o acampamento irá acabar por receber hoje à noite não menos de cinquenta
mil guerreiros, acrescentou um dos companheiros. O chefe cuspiu para o chão. Guerreiros?,
perguntou, irritado. São apenas mercenários e aves de rapina a soldo de
governantes decadentes. Pasto para abutres. Lançou um último olhar para os inimigos,
ao longe. Os verdadeiros guerreiros são os que combatem por uma fé. Ergueu uma
mão mostrando com orgulho o tiraz que prendia a manga da túnica como uma
braçadeira, quase à altura do ombro. O seu nome de guerra estava desenhado em
letras de fio de ouro. Dentro em pouco estará escuro. Preparemo-nos para cantar
a glória de Alá.
Os batedores
desaparecem na rectaguarda, e o oficial fez o cavalo virar-se. Por um instante,
o seu olhar cruzou-se com o de Hani, que baixou imediatamente os olhos. Apesar de
fixar os cascos da sua cavalgadura sem pestanejar, sentia que o amir continuava
a observá-lo. Assim, a curiosidade fê-lo erguer novamente a cabeça. Que idade
tens, rapazinho?, perguntou o oficial erguendo uma sobrancelha. O jovem mameluco
tentou responder. Hesitou. Não me lembro, senhor. O oficial examinou-o
demoradamente e depois irrompeu numa gargalhada. Resposta sábia. Aproximou-se de
forma que os focinhos dos respectivos cavalos quase aflorassem. Ao menos
lembras-te do teu nome? O meu nome é Hani, senhor. Como é possível escolher um nome
como esse? O meu pai é um fiel servidor de Alá, senhor, respondeu Hani, com seriedade».
In
Roberto Genovesi, O Templário Negro, 2013, Clube do Autor, 2017, ISBN
978-989-724-338-7.
Cortesia de
CdoAutor/JDACT