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Novas Cartas Portuguesas. Ou de como Maina Mendes pôs ambas as mãos
sobre o corpo e deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores
[…]
Tu tens intacta a ordem na figura
da carne
e recuado gesto
ordem da pedra imposta e recortada
transparecente ou de vedada cor
safira seixo colina rosa aurora
só a fala areada te desgasta.
Ouves
como
as águas maninhas te corroeram porte
e nome de isabel
contorna ilha coral alto
e a detém.
Antes azálea foras
flor de pedra o nome e
arredio.
Não por inerte mole
entendo que chegaste
ou te devolvo
perigas onde o suporte
é estreito
e sulco fere o acto
separado
contigo o tempo exacto
gasta-te tem por vã o olho astuto sílex
talhando no polido face
e aresta rosácea
despojo posto em guarda
pacto sombra
desmerecida a rocha
iluminada.
Ouve Isabel por baças e
antigas
como de pedra luz são
escassas as que estão
e dão sinal
consente o que moldado
está por belo
a carnadura suave e
alevantada». In 6 de Março de 1971
Fátima
Fadada foste ao gesto e à
palavra
o corpo tão daninho que te habita
mulher que não domaste e te
desgosta
maina te possui
plácida escondida
Escassa é a medida
em que te evitas
e nunca saciada ao próprio espanto
quebras
nela o risco
em ti o que persiste no metal
luminoso
em que te encerras
Não é pois já em ti
que o sol tem o bronze
mas antes nela o som a prata trabalhada
a luz que lembra a forma e no
poente
enterra
até ao fundo a sua faca
Se tens domada a raiva
no seu gume
tão fêmea tu e firme na febre
debruçada
atenta és à pele onde suspendes
os dedos na pressa da voragem
Que abandonada estás
fátima por ti
e bem-amada
Vingada vens do tempo
e a venceste
tão bem-talhada ao peito
em que a criaste
no maneio de anca nas coxas que
crispaste
a ladear a cama em que a perdeste
De sede fátima devoras a firmeza
e tão fecunda ou dor
tornaste a tua fala
que és teu próprio alimento e teu
sustento
na solidão imensa em que
resvalas
Que maina foste
mulher que te mantém
maldição de terra envenenada
intacta suspeita e boca amena
cintura branda
joelhos-madrugada
Se mágoa desmanchas fátima
em segredo
como quem borda o pano sobre as
nádegas
a camisa descansas costurada
por mãos que maina recusava
a só estar presa
O nojo conheceste e o mordeste
o trocaste em fruto de paisagem
na rua desenhada
que
escolheste
para gerares futuro em tua casa
Que abandonada estás
fátima por ti
e bem-amada
avessa
te conheço
a
deixares embora sem desgosto
que
alguém te possua pelo corpo
se caça fores somente e de seu
preço
teres de ceder à arma a linha do
pescoço
Pecado de mudez que não
a tua
só maina na herança de outras vozes
nunca pactua
Malquerença que descobres
brevemente
talvez ferida fátima ou ferro fátuo
que de manso o Verão te chega aos
nervos
e nunca o mar obrigas sob os braços
nas tão breves arestas de alegria
que
tu alheia usas sobre o fato
Fadada foste então
à luz
e às secas margens
aos lisos gestos tão fiéis a maina
que áridos parecem mas não fáceis
de ti te distancias
e a medida é justa
como se de roupa fátima te fosse
executada
à água
Maligna pois te habita maina
ou tu te habitas Fátima
em
palavras». In 11 de Março de 1971
In
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas
Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN
978-972-204-011-2.
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