Cortersia de leiloes
A Lágrima
Manhã de Junho ardente. Uma encosta escalvada,
seca, deserta e nua, à beira duma estrada.
Terra ingrata, onde a urze a custo desabrocha,
bebendo o Sol, comendo o pó, mordendo a rocha.
Sobre uma folha hostil duma figueira brava,
mendiga que se nutre a pedregulho e lava.
A aurora desprendeu, compassiva e divina
uma lágrima etérea, enorme e cristalina.
Lágrima tão ideal, tão límpida que, ao vê-la,
de perto era um diamante e de longe uma estrela.
Passa um rei com o seu cortejo de espavento,
elmos, lanças, clarins, trinta pendões ao vento.
No meu diadema, disse o rei, quebrando o olhar,
há safiras sem conta e brilhantes sem par.
Há rubis orientais, sangrentos e doirados,
como beijos de amor a arder, cristalizados.
Há pérolas que são gotas de mágoa imensa,
que a Lua chora e verte e o Mar gela e condensa.
Pois brilhantes, rubis e pérolas de Ofir
tudo isso eu dou, e vem, ó lágrima, fulgir.
Nesta coroa orgulhosa, olímpica e suprema,
vendo a globo a meus pés do alto do teu diadema!
E a lágrima celeste, ingénua e luminosa,
ouviu, sorriu, tremeu, e quedou silenciosa.
[...]
Debaixo da figueira então um cardo agreste,
já ressequido, disse à lágrima celeste:
'A terra onde o lilás e a balsamina medra,
para mim teve sempre um coração de pedra.
Nunca junto de mim, ulcerado de espinhos,
ouvi trinar, gorjear a música dos ninhos.
[...]
E algum tempo depois o triste cardo exangue,
reverdecendo, dava uma flor cor de sangue,
Dum roxo macerado e dorido e desfeito,
como as chagas que tem Nosso Senhor no peito.
E ao cálix virginal da pobre flor vermelha
ia buscar, zumbindo, o mel doirado a abelha!...
Poema de Guerra Junqueiro, in 'Os Poemas da Minha Vida, de Maria Alzira Seixo'
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