sábado, 17 de março de 2012

Diogo do Couto. Década Quarta da Ásia: «Do nosso ponto de vista os quatro autores que devemos sempre ter presentes, se queremos estudar algum deles, são Gaspar Correia, Castanheda, Barros e, evidentemente, o autor da Década que se publica. Muitas vezes, no decurso da nossa introdução, tentaremos confrontá-los»

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Introdução à leitura da Década Quarta de Diogo do Couto
«O livro mais moderno, que cita, são os “Diálogos de vária história” de Pedro de Mariz. Tinha saído em 1594, e pode observar-se que chegou à Índia depressa, porquanto a “Década 4” se encontra concluída (embora necessitada de alguns retoques) em Novembro de 1597.
Há só mais um autor português, do qual, na presente Década, aparece uma obra citada: o próprio Couto. No capítulo 1 do livro 8 vêm à colação as ‘perdas e crescenças’ dos Portugueses na Índia, onde, como entende Severim, iam ganhar honra e proveito:  
  • ‘estas perdas e crescenças nós alguma hora apontaremos, se nos cair a pelo, posto que muito claramente o temos já feito no nosso “Diálogo do Soldado Prático”.

Este passo confirma que o referido diálogo, forçosamente o primeiro dos dois, foi a primeira obra de Couto concluída. Mas o tema das verdadeiras e falsas crescenças voltará à baila na fala 4 da cena 10 da primeira parte do segundo diálogo. Enumerar é fácil. Analisar menos. Comparar impõe-se. Do nosso ponto de vista os quatro autores que devemos sempre ter presentes, se queremos estudar algum deles, são Gaspar Correia, Castanheda, Barros e, evidentemente, o autor da Década que se publica. Muitas vezes, no decurso da nossa introdução, tentaremos confrontá-los. Desde já não receamos afirmar: aquele a quem mais deve Couto, não só entre os seus predecessores, cronistas da Índia, mas de todos os portugueses e todos os estrangeiros, é Fernão Lopes de Castanheda. Este é tão utilizado que se poderia dizer que a presente Década tem muito de conversão a outra estrutura, com enxertos, desvios, intromissões, cosidos em manta de retalhos, da narração contínua daquele autor. O novo cronista decalca com um à-vontade surpreendente. Feito cronista, chama a si, atribui-se todos os direitos. Inclusivamente o que hoje consideraríamos de plágio. De chapado plágio.

Cortesia de wikipedia

O que não quer dizer que não afecte grande veneração... tanto por Barros como por Castanheda. Aliás Couto não se coíbe de alfinetar, se a ocasião se apresenta, aqueles mesmos a quem respeita ou segue. Tem uma posição oficial e um pendor natural, forte. Vamos ao mais alto, comparando. Apesar dos seus requerimentos e vénias a Filipe II, quando narra querelas entre castelhanos e portugueses, não ‘torce’, menos que Castanheda pelos portugueses, antis pelo contrário. Em matéria delicada, denuncia o erro de Gomara. E, quando croniza de um rei mogor despojado do que conquistara, lança até uma sentença que talvez se pudesse considerar carapuça, mais ou menos à medida do filho de Carlos V: 
  • ‘devem os reis do mundo trabalhar muito para trazerem no seu governo vassalos naturais, porque sempre tratam as coisas com amor e lealdade, estimando mais a vida de seu rei que a sua própria’.
Conclusão: não se pode esperar dos ‘desnaturais’ a mesma lealdade.
Mantenhamo-nos, porém, na comparação dos textos.
A Barros, evidentemente, Couto não decalca como a Castanheda. Não podia ser. Barros parou, referimo-nos à sua obra publicada, onde ele começa. Mas não deixa de tirar daqui ou dali, das três Décadas precedentes, em geral sem declarar que tira. Às vezes até ‘se corta’. E alguma vez dir-se-ia que teve acesso a cópia manuscrita da quarta de Barros. Mas seria difícil sustentá-lo com tão pouco. O que lhe sucede, como veremos, é chegar ao limiar da inconveniência ou insolência, retomando e criticando afirmações do seu predecessor». In Diogo do Couto, Década Quarta da Ásia, volume I, coordenação de M. Augusta Lima Cruz, Coimbra Martins, Fundação Oriente, 1999, ISBN 972-27-0876-7.

Cortesia da Fundação Oriente/JDACT