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«A nação que aclamara seu rei o Mestre de Avis, como se fosse “L’incarnation de la Providence”, era, mau grado os ínvios caminhos donde proviera, um todo orgânico, de recursos étnicos inesgotáveis.
Nos plainos de Ourique, em 1139, batia-se às espadeiradas homéricas, dessas que rachavam o elmo e crânio, até aos dentes. Em 1385, Fernão Lopes descreve-a errante, cambaleante e famélica, de ‘ventre ao sol’ pelas congostas de Lisboa sitiada,-até que sobreviesse o intermitente rebate dos sinos, capaz do converter moribundos em bravos. Mas nunca se rendia. O prémio foi Aljubarrota! Ali vingou, uma vez mais, essa rara planta, que é nativa nos caracteres portugueses:
- Fidelidade, a ‘grão Fidelidade’ do Épico. Individualista e livre, até à indisciplina, aquele povo era teimoso e constante até à temeridade, quando tinha consciência da honra empenhada.
Constituía, para ele, ponto de honra o amor, em todos os matizes, o prestígio nacional, o direito do seu príncipe. Tudo lhe eram causas para esses pontos de honra: a ternura-que escorre, em fios de mel, das “Cantigas de Amigo”; a liberdade que rebentou os liames com o rei de Leão e demais intrusos; a palavra empenhada-que atou o baraço ao colo de Egas Moniz mulher e filhos, como se fossem o símbolo da família nacional; a paixão que aclamava nas ruas os temperamentais desenfados do rei Pedro, “o Justiceiro”, momentaneamente livre da hipocondria; o aviltamento indecoroso do rei Fernando, a quem vaiavam com subtilezas do famigerado escárnio, tão nosso.
‘Dai-me uma grande causa, eu vos darei um grande orador’, é um dos brocardos demosténicos. Confiassem outrossim, a esse povo generoso, uma grande causa de honra, aguardassem que ela o empolgasse, sendo minoria, embora, e lá iria ele arriscar num lance de “Loucura” toda a reserva do “Siso” tradicional.
Assim foi na charneca de Aljubarrota: um contra seis! Fora assim, durante os nove reinados anteriores. Assim haveria de ser nos séculos vindouros: nunca se render! Nunca abdicar da suaopinião ou da sua autonomia:
- ‘Para cá do Marão, mandam os que cá estão!’ Nunca desistir dum capricho ou duma aventura, em que se jogou tudo: ‘Morrer, mas devagar!’ Dois brados quo encerram a intransigência do município e do soberano, a base e a cúpula da Nação.
Defeitos? Claro que os tinha. Mais objectivamente, semanticamente falando, talvez não fossem ‘defeitos', mas ‘excessos’. Excessos nos amores desvairados. Excessos de impertinência, perante a prepotência. Excessos de melindres nos agravos, quase sempre “imperdoáveis”. Excessos de certa maledicência congénita. Excessos no arraigamento a hábitos inveterados, excessos, portanto, da tal Fidelidade.
Leiam-se os moralistas de antanho. Leiam-se os sermonários contundentes, sem olvidar o de António Vieira: lá encontraremos as ‘constantes’ negativas do enquadramento disciplinar da grei, sempre inclinada a transpor, a “exceder”». In Silva de Azevedo, O Príncipe Sem Coroa, Pontifícia Universidade de S. Paulo, Bertrand Irmãos, Lisboa, 1963.
Cortesia de Bertrand Irmãos/JDACT