Fundadores do 'Grémio Literário'. Pintura de Luís Pinto Coelho, 1967
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Formas que teve o escritor de fazer o seu próprio elogio.
‘Fui sempre muito pouco amigo de dar satisfações. Porém esta minha repugnância não é filha de presunção, nem de orgulho. De todo o meu coração o digo, e todos os que me conhecem, o sabem. Nasce da persuasão, em que estou, de que a justificação duma coisa está na maneira por que essa coisa se faz. E aplicando esta generalidade às composições literárias, cada vez me convenço mais que os prólogos, prefácios, avisos a leitores', etc., nada fazem, nem fizeram, nem farão nunca ao conceito, que da obra se forma’.
Estas palavras escreveu-as o jovem J. B. da Silva Leitão D'Almeida Garrett na ‘Advertência’ o que apôs ao volume no qual, em 1821, editou por primeira vez o seu poema “O Retrato de Vénus” seguido de um “Ensaio sobre a História da Pintura”. Desde já registo que, na edição das “Obras de Almeida Garrett”, da Lello, 1963, esta ‘advertência’ aparece como texto introdutório ao “Bosquejo da História da Poesia” e “Língua Portuguesa” o que não faz sentido, já que nele Garrett se refere a um poema e a um ensaio. Dizia, pois, o jovem Garrett que era ‘muito pouco amigo de dar satisfações’. Todavia, por razões que aduz no seguimento do texto, acaba por ‘resolv[er-se] a dar satisfação’. Ainda bem que o faz. E ainda bem que muitas outras vezes, ao longo da sua carreira de escritor, de cidadão, e de activo militante da vida política e cultural, acabou por resolver-se ‘a dar satisfação”: aos leitores, aos compatriotas, a amigos e inimigos. E fê-lo nos tais ‘prólogos, prefácios, avisos a leitores, etc.’.
Afinal, parece rer sido ele próprio quem, em terceira pessoa, numa sua “Biografia” chamou a atenção para prefácios seus e os elogiou, ao dizer que o 3º volume das suas obras era ‘volume precioso, que contém o “Auto de Gil Vicente, a Mérope”, e dois originalíssimos prefácios, que servem de introdução àquelas peças dramáticas, e que estão escritos com uma graça e vivacidade de estilo inteiramente novas em a nossa língua’. Também, no mesmo lugar, elogia a Memória com que apresentou o “Frei Luís de Sousa” ao Conservatório Real considerando-a ‘um verdadeiro prólogo de Victor Hugo, uma nova obra gerada ao pé da outra’.
Muitos, variados, e de variada natureza foram, pois, os textos em que Garrett nos ‘deu satisfação’ da sua obra e das circunstâncias dela: desde a defesa a que o forçaram instaurando-lhe um processo pelo seu “O Retrato de Vénus” (1822) até aos textos introdutórios de “O Arco de Sant’Ana” 1844, 1850, 1851), também estes de defesa, ao longo de cerca de trinta anos, foi-nos ele deixando, ao mesmo tempo que informações de carácter editorial, um precioso acervo de teorias e doutrinas estéticas e de história literária (em particular no campo da poesia e do teatro) assim como, em variados casos, férteis directrizes para a leitura; interpretação e análise de cada obra em concreto. Todos recordamos, como peça fundamental deste “corpus”, a Já referida ‘Memória ao Conservatório’ que, a 6 de Maio de 1843, lhe serviu para apresentar o “Frei Luís de Sousa” tão importante para a definição programática da renovação do teatro português como o já tinham sido os anteriores prefácios a outras obras teatrais, entre elas o prefácio da primeira edição do “Catão”.
E não esquecemos tão pouco, o prefácio da primeira edição do “Camões” (1825), publicado anonimamente, em que nos revela que é bem consciente nele a intenção de com o poema introduzir o movimento literário romântico, nem a ‘notícia do autor’ da “Lírica de João Mínimo” (1828) como juízo à poesia arcádica e contextualização do aparecimento da nova poesia ou, do mesmo ano, a carta ao seu amigo Duarte Lessa com que prefaciou a “Adozinda”,complementada, mais tarde, para o conhecimento de uma rica tradição peninsular e do papel da sua recuperação no aprofundamento do romantismo, com a introdução ao “Romanceiro” (1843)». In Maria Fernanda Abreu, Leituras de Almeida Garrett, Revista da Biblioteca Nacional, 1999, Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Cortesia da BNP/JDACT