segunda-feira, 19 de março de 2012

O Pensamento Filosófico de Antero de Quental. Leonardo Coimbra. «Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da liberdade, a generalidade íntima e superior, na qual reside a lei ou a razão primeira das coisas, só pode ser atingida pela pura especulação, pela análise das ideias em si, independentemente de quaisquer induções fundadas na experiência»


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«Razão, pois, para que a sua crítica prefigure e se repercute adentro do pensamento filosófico moderno, embora com referência primacial ao ideário anteriano. Esse entrosamento é, aliás, visível nos núcleos das questões que intenta clarificar Leonardo Coimbra, numa leitura diacrónica da obra tida como filosófica de Antero de Quental. Sirva neste ponto de pretexto as relações da Ciência com e Metafísica.
Antero debate-se por entre aporias e recorrendo a apriorismos para unificar conceitos como o do cientifismo, ora atribuindo à ciência uma função mediadora na compreensão de todo o real, não apenas o fenoménico, ora fazendo dela o grau mais elevado de todo o saber possível. Por um lado, o “cientismo” anteriano, ao criticar o exclusivo idealismo subjectivante da filosofia, tem presente que a fundamentação das especulações teleológicas, dos primeiros princípios, e a análise das noções essenciais substancialistas só será possível com o seu desenvolvimento “real no mundo dos fenómenos”, ou, trasladando ao valor referencial, "só a ciência o pode seguir e determinar metodicamente, porque só ela tem instrumentos e autoridade para isso". Não obstante, é ainda Antero que, por outro lado, nos vem afirmar a sua não aceitação do primado exclusivista da Ciência, recusando que o pensamento científico seja o conhecimento definitivo e perfeito. Como argumento, basta-lhe saber que a ciência não só desatende como repudia as volições da vontade moral, os princípios criteriais, filosóficos, da consciência humana, e tão-pouco reconhece a unidade do ser no seu enunciado positivista da existência de seres. Decorre desta parcialidade, aduz Antero, uma limitação capital, pois, comenta no "Ensaio sobre as bases filosóficas da moral ou filosofia da liberdade", "a generalidade íntima e superior, na qual reside a lei ou a razão primeira das coisas, só pode ser atingida pela pura especulação, pela análise das ideias em si, independentemente de quaisquer induções fundadas na experiência".

Fora do domínio teorético, Antero contrapõe ao frio calculismo cientista o seu testemunho vivo, e a tensão dialéctico-vivencial que atravessa o seu quotidiano, seja no contexto epocal da sua circunstância sociocultural seja na angústia da definição do seu ‘sistema filosófico’, digladia com a atitude espiritual que ele assume perante a Vida e a Verdade , até ao limite do acto final. E, como notou Leonardo Coimbra em certa passagem  desta obra, "a moral ou é uma experiência a que damos um profundo valor de realidade e teremos então de procurar uma metafísica em que se possa fazer o acordo da Razão teórica e da Razão prática, dos juízos de existência com os juízos de valor; ou teremos então de explicar os segundos por ilusões criadas pelos primeiros, o que a negação da própria moral.
A experiência moral de Antero foi, tal qual se sabe, uma sublimação sempre presente. E, exceptuando o dilemático desenlace, que obriga a deter apressados juízos ou nosográficas justificações, a Moral constituiu para ele mais do que verticalismo ético, assumindo proporções categoriais. Noutro plano, apesar do seu "fatal, previsto insucesso” na tentativa de conciliar a metafisica com a ciência, a sua diligência resta como "página mui honrosa, excepcional, rara, única, na parca, contracta mentalidade lusitana".
Perante este nódulo temático e aqui exemplificativo, infere, portanto, Leonardo Coimbra?:  
  • ‘Antero apreende o ideal que, por medo à transcendência, não coloca inteiramente com a razão e a alma de todo o real’.
Dividido entre a realidade fenoménica e os pressupostos morais ditados pela consciência, entre o determinismo mundividente e a liberdade do espírito, Antero de Quental enfrenta o princípio da contradição que o leva a remeter pare os postulados da Razão o superar dos condicionalismos envolventes. Aliás, situar-se-ia neste lance crucial, aponta Leonardo em parágrafo afim, um dos principais momentos do discurso filosófico pré e pós anteriano, porquanto 

  • "a antítese mecanismo-determinismo, espiritualismo-liberdade, é o ponto nodal da questão; se é possível resolver este antagonismo numa síntese superior, estará resolvido o problema de encontrar a “síntese do pensamento moderno".
In Leonardo Coimbra, O Pensamento Filosófico de Antero de Quental, Guimarães Editores, Lisboa, 1991, ISBN 972-665-372-X.

Cortesia de Guimarães Editores/JDACT