quarta-feira, 21 de março de 2012

O Amor de Camilo Pessanha. António Osório. «Nesse espólio, um invólucro com as palavras “Cartas de Camilo Pessanha”, escritas por João de Castro Osório, continha, para além das mencionadas, uma missiva e duas fotografias da mãe, com dezassete e dezanove anos, graciosa, fina, esbelta. Resulta evidente que Pessanha tinha declarado o seu amor epistolarmente e que Ana de Castro Osório lhe respondera negativamente»

Pintura de Mário Botas, 1982
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Canção da Partida
[…]
Quem vai embarcar, que vai degredado,
as penas do amor não queria levar…
Marujos, erguei o cofre pesado,
lançai-o ao mar
E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta…
- A última, de antes do teu noivado.
[…]
Camilo Pessanha

A declaração de amor e a resposta
«Maria José Lancastre, aurora da recolha, da difícil transcrição, das excelentes introdução e notas do volume que reúne as cartas de Camilo Pessanha para Alberto Osório de Castro, João Baptista de Castro e Ana de Castro Osório, referindo-se a uma do poeta para o seu amigo Alberto Osório de Castro, irmão de Ana de Castro Osório, diz que ficou ‘finalmente explícita uma velha suposição dos críticos e dos biógrafos que atribuíam a Pessanha um amor’ pela escritora, acrescentando:  
  • Resulta evidente que Pessanha tinha declarado o seu amor epistolarmente e que Ana de Castro Osório lhe respondera negativamente.

Maria José de Lancastre suspeita até que a carta que Pessanha ‘devolve’, ao amigo presumivelmente contivesse ‘a resposta negativa’.
Apenas neste ponto não acertou. A ‘resposta negativa’ foi devolvida à autora, por razões singulares, e só explicáveis pelo recíproco afecto que existiu entre Camilo e Ana, digamos assim, de ora em diante, como eles o fariam pensando um no outro.
Camilo tinha vinte e seis anos, Ana fizera vinte havia pouco. As três cartas de um amor diferente e infortunado viriam e pertencer ao espólio do filho dela, João de Castro Osório, que, como é geralmente entendido, conseguiria, com dezasseis, dezassete anos, o ”salvamento” da obra poética de Pessanha.

Nesse espólio, um invólucro com as palavras “Cartas de Camilo Pessanha”, escritas por João de Castro Osório, continha, para além das mencionadas, uma missiva e duas fotografias da mãe, com dezassete e dezanove anos, graciosa, fina, esbelta. Deveria eu publicar essa correspondência que mão amiga, da viúva de João de Castro Osório, D. Maria Helena de Assis Lopes de Castro Osório, notável pianista, discípula de Viana da Mota, me confiou? Depois de algumas dúvidas, entendi que sim. Nem rodas as cartas de amor são ‘ridículas’, estas iluminam dois grandes vultos, tão diferentes um do outro, ele, ultra-sensível, abúlico e desesperado, ela, confiante, activa, idealista.

A primeira carta de Pessanha, datada de 18 de Outubro de 1893, foi escrita em Óbidos, e seguiu-se a uma ‘desastrada’ declaração pessoal: 
  • 'Anteontem disse eu a V Exa. umas palavras tão inoportunas e tão desastradas que um estudante de colégio se envergonharia de as ter dito. Espero que me tenham sido perdoadas. Foi a necessidade, para mim impreterível, de pedir autorização para escrever esta carta, que me obrigou a declarar naquele momento o meu velho desígnio de ter V. Exa. por minha companheira, e a própria maneira brusca por que o declarei, perturbou-me, ao ponto de, para me justificar, dizer todas aquelas palavras que se seguiram, das quais cada uma só ia agravando a minha perturbação. Lembro-me, por exemplo de ter dito que V Exa. Poderia desde logo decidir das minhas esperanças, porque me conhecia: ‘que eu sou o que pareço ser’. Isto é de uma falta de delicadeza e de inteligência que deve ter surpreendido muito a V. Exa., porque a mim próprio me surpreendeu. Decididamente, eu sou bem o que pareço'.

Ana de Castro Osório com 19 anos
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O amor de Camilo vinha de há anos. Íntimo de Alberto Osório de Castro, seu colega no curso de Direito em Coimbra, publicando crónicas e poemas no jornal de Mangualde “O Novo Tempo”, que aquele dirigia, Pessanha passava parte das férias na casa de Mangualde do pai do amigo, João Baptista de Castro, que tratava por primo, e a quem se dirigia, nas cartas publicadas, com toda a estima: era, na verdade, um ser liberal e culto, aberto às novas ideias, que fundara uma casa bancária, tendo sido vítima da falência de um banco de Coimbra com o qual trabalhava.
Forçado a vender os bens pessoais para honrar os seus compromissos, inicia a carreira de juiz com cerca de quarenta anos. A família vem para Lisboa de diligência, levando nas mãos o restante. A perda do património marcou-os para sempre. Foi a ruptura definitiva com o passado». In António Osório, O Amor de Camilo Pessanha, edições ELO, obra apoiada pela Fundação Oriente, colecção de Poesia e Ensaio, Linha de Água, 2005, ISBN 972-8753-43-8.

Cortesia da F. Oriente/Linha de Água/JDACT