Desenho de Almada Negreiros
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«Tomaremos a Inglaterra e a França para material de análise. E tomaremos períodos nítidos, pois que o espaço não permite a co-análise de períodos literária ou politicamente embrionários.
A história literária da Inglaterra mostra três períodos distintos, ainda que subdivisíveis em subperíodos, o ‘isabeliano’, que vai de 1580, aproximadamente, até a um ponto pouco mais ou menos coincidente com o fim da República; o tratável de "neo-c1ássico" que, pouco depois começando, ocupa quase todo o século XVII, começando porém a morrer desde 1780, aproximadamente; e o moderno, que vem desde então até aos nossos dias. Destes três períodos o primeiro impõe-se como, por muito, o maior, não só por ser mais alto o ‘tom poético’ geral do período, mas também porque as suas culminâncias poéticas, Spenser, Shakespeare e Milton, põem na sombra quantos nomes ilustres os outros dois períodos apresentem. O segundo período é inferior aos outros dois: o tom poético é aquele, intolerável, que a França do ‘ancien régime’ derramou pela Europa de que tinha a hegemonia social. O terceiro período contém figuras que, sem serem supremas, são como Coleridge, Shelley ou Browning, grandes indiscutivelmente.
Vejamos agora a que períodos políticos estas épocas literárias correspondem. A ‘época isabeliana’ corresponde ao período da vida inglesa cuja realização foi feita pela República e na pessoa, preeminentemente, de Cromwell.
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Foi um período ‘criador’; nele deu a Inglaterra ao mundo moderno um dos grandes princípios civilizacionais que lhe são peculiares, o de “governo popular”, princípio que depois a Revolução Francesa, parcamente criadora, simplesmente transformou no de “democracia republicana”. O segundo período da vida política inglesa, o que vem desde a queda da República, culmina na revolução, de mera substituição dinástica, de 1688, e vem morrer por 1780 ‘nas almas’, e ‘de facto’ com a reforma eleitoral de 1,832, é absolutamente nulo e estéril para a Inglaterra; nele, ela nada criou, nem mesmo a sua própria grandeza, visto que a hegemonia social na Europa era então da França. Neste segundo período a Inglaterra não fez senão ir realizando, apática e frouxamente, o princípio de governo popular que havia criado. Também no terceiro período a Inglaterra nada criou de civilizacional; criou a sua própria grandeza e nada mais visto que a hegemonia europeia tem sido mais sua do que de outra nação no século XIX, conforme o vincaram para a história Nelson, em Trafalgar, e Wellington, em Waterloo.
Virando-nos agora para a França, e desprezando, como já dissemos, o embrionário e informe, vemos igualmente três períodos, incoincidentes, porém, no tempo, com os três períodos ingleses. O primeiro período acompanha o “ancim regime”, culmina no tempo de Luís XIV e dura até ao fim do século XVIII, emprestando o tom à literatura europeia. O segundo período, o romântico, começa depois da queda do “ancien regime” e vai terminando à medida que o republicanismo se vai realizando nas almas, de 1848 a 1870, aproximada mas incorrectamente.
De então para cá, em seguida ao período (de 1871 a 1,881 pouco mais ou menos) de lenta consolidação republicana, vem o terceiro período, aquele a que caracterizam o realismo, o simbolismo e outros anti-romantismos». In Fernando Pessoa, A Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Considerada, Editorial Nova Ática, 2006, ISBN 972-617-193-8.
Cortesia de Editorial Nova Ática/JDACT