sábado, 17 de março de 2012

O Combate de Flor da Rosa. Conflito Luso-Espanhol de 1801. António Ventura. «É necessário vigiar e procurar informações da parte de Alter, Avis e Ponte de Sor, sobre a marcha ou forças com que o inimigo se aproxima daquele lado, a fim de que alguma das suas colunas não se avance por aquela parte procurando cortar a nossa retirada sobre a ponte de Abrantes»

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«Em alternativa, havia que ir buscar tudo o que a deficiente logística portuguesa tinha reunido, de forma a impedir que caísse em mãos inimigas. Consciente dessa dificuldade, Neves Costa apresentou um memorando ao duque de Lafões com algumas sugestões:  
  • ‘os destacamentos enviados a Nisa, Alpalhão e Crato para guardarem e protegerem a retirada dos efeitos que dali se houverem de transportar para o Campo do Gavião, podem e devem servir ali de primeira linha dos postos avançados, pois que estes lugares ficando rodeados de planícies podem facilmente descobrir os movimentos e marchas do inimigo numa grande distância. Para este fim, segurança e vantagem dos ditos destacamentos, é preciso que eles sejam compostos particularmente de cavalaria a fim de fazer as rondas e descobrir como se precisa, advertindo que as patrulhas de cada destacamento apenas sentirem o inimigo avisarão não só o respectivo corpo a que pertencerem, mas também os postos ou destacamentos que lhe ficarem contíguos a fim de se evitar a surpresa ou o ser cortado. E necessário recomendar providências para que em Abrantes se examinem os soldados que vão do Campo com o título de doentes, ou licenças, pois é provável que entre estes haja muitos que se retirem ilegitimamente; o que concorre a enfraquecer os corpos que compõem o exército. É necessário vigiar e procurar informações da parte de Alter, Avis e Ponte de Sor, sobre a marcha ou forças com que o inimigo se aproxima daquele lado, a fim de que alguma das suas colunas não se avance por aquela parte procurando cortar a nossa retirada sobre a ponte de Abrantes. E preciso também examinar a natureza e força das fortificações que defendem a dita ponte deste lado do Tejo; pois segundo algumas notícias elas não são capazes de a proteger contra qualquer ataque’.

Por fim, no dia 3 de Junho, projectou-se o envio de uma força a Gáfete, Tolosa, Flor da Rosa e Crato com o objectivo de recolher os abastecimentos ali existentes. Ao brigadeiro Bernardim Freire de Andrade foi confiado o comando da coluna, mas o seu estado de saúde não permitiu que o assumisse, sendo substituído pelo coronel José Carcome Lobo, o polémico comandante das tropas lusas em Arronches, o que não augurava nada de bom. O duque de Lafões assistiu, a cavalo, ao desfile das forças que eram constituídas por 4 companhias de granadeiros, 2 de caçadores, num total de 600 homens de infantaria, e 70 de cavalaria dos quais 30 dragões ingleses da escolta do duque, 2 canhões de 6 e 2 de 3. Este destacamento devia escoltar 60 carros, uns puxados por mulas e outros por bois, destinados ao transporte dos víveres e apetrechos existentes nos armazéns.

Quando a expedição deixou o Campo de Gavião, ao entardecer do dia 3 de Junho de 1801, o seu objectivo era conhecido há algumas horas. E surgiu o receio de que, se esse conhecimento era geral no acampamento português, o mesmo poderia suceder entre o inimigo, que poderia ser alertado pelos seus espiões não obstante a distância a que se encontrava.

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O brigadeiro Neves Costa não podia ser mais pessimista quanto ao resultado da expedição que adivinhava desastroso pela qualidade do seu comandante, moral da tropa e publicidade dos objectivos:
  • ‘O oficial comandante de um corpo de tropas derrotadas em Arronches, era o mesmo que se escolhia para comandar uma expedição que se devia considerar terminando num segundo combate. Que confiança pois podiam ter estas tropas num chefe semelhante publicamente acusado justa ou injustamente como culpado e autor da derrota de Arronches? O soldado, e particularmente o soldado bisonho é perfeitamente uma máquina, ou um animal irracional que precisa de muito jeito para o fazer mover como se pretende. Ainda que Carcome fosse um hábil oficial, e tivesse desenvolvido grandes talentos na acção de Arronches, entretanto os soldados não estavam persuadidos disso, e era preciso no combate imediato atender absolutamente a esta prevenção dos soldados. Não era só Carcome batido e com o crédito de ignorante e de traidor para os soldados brutos, o oficial encarregado desta importante expedição; o conde de Lieutaud, que comandava em Arronches 200 cavalos que fugiram tão vergonhosamente, era novamente o comandante de uma cavalaria de menor número e que justificava o seu temor com a desconfiança e mau crédito do seu comandante. Não se podiam pois comentar, nem de propósito, erros tão crassos e palpavelmente funestos’.

A comparação com o ocorrido em Arronches era inevitável:  
  • ‘vendo que 200 cavalos fugiram ao inimigo em Arronches, agora julgavam suficientes 70 para defenderem um comboio de carros num terreno de planícies imensas’.

Criticando asperamente a incompetência já provada do duque de Lafões e do seu ajudante Francisco Stockler, mas também a aquiescência cúmplice de John Forbes e de Miguel Pereira Forjaz, Neves Costa analisava as características do terreno por onde se iam movimentar os portugueses:  
  • ‘Flor da Rosa e Crato distam do Gavião 5 para 6 léguas. Estas terras distam de Portalegre muito menos de 4, o terreno entre Gavião e Flor da Rosa é de planície aonde a cavalaria tem uma vantagem decisiva; é pois sobre um tal terreno, sobre a vanguarda do nosso exército e para a parte do inimigo que se envia um destacamento de 600 infantes e 70 cavalos, devendo executar a sua comissão num lugar mais próximo do inimigo do que nós; e nestas 5 léguas de distância ficando inteiramente abandonado, sem haver outro corpo que apoiasse em Gáfete ou noutro lugar a sua marcha retirada? Ainda se fosse um reconhecimento, um ataque repentino, etc., que eles tivessem de fazer, mas um movimento tão vagaroso qual era o de acompanhar carros, e fazê-los carregar, e conduzi-los carregados, não devia dar assaz tempo ao inimigo para marchar a atacar este comboio? Grande Deus, e é crível que nos nossos dias tantas loucuras se tenham podido cometer? E notando a publicidade da expedição projectada já no dia antecedente não ficava ainda mais certo o ataque do comboio?’

In António Ventura, O Combate de Flor da Rosa, Conflito Luso-Espanhol de 1801, Edições Colibri, C. M. do Crato, 1996, ISBN 972-8288-23-9.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT