Cortesia de 100luz
De Mariana e da autoria das Cartas
«Subligny, um advogado francês, frequentador dos salões ilustrados, autor de uma comédia em prosa contra o Andromaco de Racine, de quem seria posteriormente um grande amigo, também foi apontado como tradutor das cinco cartas de amor, enquanto Guilleragues teria ficcionado as respostas de Chamilly. As cartas estavam na moda a tal ponto que, segundo alguns investigadores, La Fontaine e Molière teriam utilizado nas suas obras, respectivamente, “Les amours de Psyche” e “Monsieur de Pourceaugnac”, edita das ainda em 1669, uma frase da primeira Carta da edição ‘princeps’ que tem sido bastante cara aos seus admiradores incondicionais: […] ‘tout le reste n'est rien’ (tudo o resto não é nada). Madame Marie-Catherine, baronesse de Aulnoy (1650-1705), em 1695, revela nas suas “Mémoires de la Cour d'Angleterre”, a sua confiança na autoria portuguesa das Cartas, ao mesmo tempo que descreve a decepção que o duque de Buckingham teve quando viu o quanto eram convencionais umas cartas escritas, a seu pedido, por uma linda mulher portuguesa, D. Maria de Balbosa, acabada de chegar a Inglaterra. Não sabia escrever tão bem quanto a sua compatriota “Marianne”, a das ‘Lettres’.
Na polémica que subsiste, sobre a atribuição da autoria das cartas a Mariana, resta-nos, ppelo menos, a aquiescência da grande maioria dos mais contestatários, claro que são em muito menor número do que aqueles que acreditam na autoria feminina e portuguesa das cartas, ao acreditar que de facto deve ter havido uma paixão impetuosa e íntima entre uma religiosa de um convento português e um cavaleiro francês que integrou as tropas estrangeiras que nos auxiliaram durante a guerra da Restauração (1640-1668). Não acreditam na origem portuguesa das cartas, mas acreditam nos amores, valha-nos ao menos deste elogio, a Portugal e a Mariana, o conforto da sublime arte de amar.
Cortesia de 100luz
Todavia, este desconcerto tem muito a ver com uma postura contumaz, muito difundida a partir da segunda metade do século XX, que afirma desconhecer a razão, ou as razões válidas, porque andam as ditas cartas atribuídas a uma freira, revelando não só a ignorância do essencial das fontes de informação que são sobejamente conhecidas, a ‘edição princeps’ (1669), a nota Boissonade (1810) e o ensaio de Luciano Cordeiro (1888) que vêm provar a existência dos intervenientes na historia de amor e a possibilidade histórica do seu relacionamento e encontro na cidade de Beja e no Real Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, mas tudo parecendo fazer crer para as ignorar.
Cartas Polémicas
Talvez as Cartas reflictam mesmo a veracidade de um ‘infeliz’,acontecimento que, à ‘boca calada’, todo o mundo conheceu. A nota Boissonade dá a entender isso mesmo, que já passou o tempo suficiente e já ninguém pode levar a mal que se diga o nome de quem escreveu as Cartas.
[…]
Fê-lo como resposta aos detractores da atribuição da autoria portuguesa das cartas, para quem uma mulher (!), freirinha de Beja, não saberia escrever, quanto mais expressar de forma tão sentida e literária uma paixão que só se poderia entender emanando de uma pessoa culta, a qual só poderia ser um homem! O autor de “A Freira de Beja e as Lettres Portugaises”, não só defendeu e bem a sua dama, como veio corroborar aquilo que já o Morgado de Mateus (1758-1825), em 1824, Luciano Cordeiro, em 1888, e Manuel Ribeiro, em 1913 e 1940, haviam assumido quanto à maternidade lusa das célebres “Lettres Portugaises traduites en françois”.
jdact e cortesia wikipedia
O título original e o conteúdo das epístolas remetem-nos para a língua portuguesa, Portugal e, dada a referência a Mértola, para a região de Beja. Nas cinco cartas de amor só há uma verdade histórica, adversa a toda a persuasão que as pretende mitificar para o lado luso, fazendo delas, em simultâneo, o expoente máximo da criação epistolar francesa. Belard da Fonseca (1966, 54-60), à semelhança de alguns outros autores como Keffler (1821), Manuel Ribeiro (1940), Paléologue (1889), Gosse (1905), Luciano Cordeiro (1888 e 1891) e Cerqueira de Vasconcelos (1935), rearrumou, na Senda de Gosse, a ordem das cartas impressas por Barbin, mudando somente a quarta carta da ‘edição princeps’ para o primeiro lugar, versão que aparentemente é a mais correcta, pondo fim às discrepâncias cronológicas que se notavam entre alguns acontecimentos. Tal incongruência, à época, não poderia deixar de ser notada pelo presumível autor francês, Guilleragues, pelo que o erro seria corrigido nas edições seguintes, mas nunca foi, constituindo este facto mais uma prova da sua autenticidade portuguesa.
A ‘edição princeps’ e as seguintes expressam bem a autoria portuguesa das Cartas. Porém, e apesar das edições subsequentes, excepto nas de Barbin que sempre respeitaram o anonimato, desvendarem gradualmente a identidade de alguns dos intervenientes, como sejam a do cavaleiro de Chamilly, como destinatário das cartas de amor, e de Guilleragues como tradutor, atribuições que ninguém coevo contestou com veemência, pouparam sempre a identidade familiar da religiosa que as escreveu. Contudo, este anonimato só existiu parcialmente». In Leonel Borrela, Cartas de Soror Mariana Alcoforado, Edição 100Luz, 2007, ISBN 978-972-99886-7-7.
Cortesia de 100Luz/JDACT