domingo, 4 de março de 2012

Poesia. A Musa em Férias. Guerra Junqueiro. «Cultiva de noite e dia, da melhor forma que pode, as ortigas da Ironia junto aos plátanos da Ode»


Cortesia de poliscopio 

A Musa

I
Das suas tranças douradas
nem uma só é postiça:
é casta como as espadas,
é recta como a justiça.

Não tem o lânguido jeito
das musas cor das opalas,
que andam doentes do peito
e fazem furor nas salas.

Traz à cinta cartucheira
e traz a arma a tiracolo;
é alegre vivandeira
dos demagogos... d'Apolo.

As comendas diamantinas
prefere os lírios nevados,
e as 'blouses' garibaldinas
as becas dos advogados.

Não procura o beneplácito
da corte ou da Santa Fé;
depois de jantar com Tácito,
vai cear com Rabelais.

As grandes festas hiócritas
dos mais brilhante palácio
prefere a 'aurea mediocritas',
o encanto do velho Horácio.

Detesta graves pedantes:
ama o justo, o belo, o nu,
tem relação com Cervantes,
e trata Voltaire por tu.

Persegue, apupa, destroça
a mediocridade ignara,
com a farinha da troça
Enfarinhando-lhe a cara.

Riso ligeiro nos lábios,
gosta de ir, pé ante pé,
quebrar na nuca dos 'sábios'
O ovo dum 'triolet'.

Se avista um analfabeto
inchado, com grandes famas,
pede aos cortiços do Himeto
as vésperas dos epigramas.

[...]

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