terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «Outras foram também devidas a novos critérios de ocupação do espaço, como na área primitivamente coberta pelo Hospital Real e que viria a ser arruada e, finalmente, em 1775, aberta como praça da Figueira»

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Os Programas de Manuel Maia
«(…) Mais tarde, o plano de Eugénio Santos aparecerá atribuído também a Carlos Mardel, ficando a Baixa Pombalina com uma dupla autoria, que é exacta mas não inteiramente justa. Com efeito, em 1760, ano da morte de Eugénio Santos, novas mensurações da área revelaram desacertos com o projecto n.° 5, e foi necessário introduzir-lhe alterações de que se encarregou o seu sucessor no Senado da Câmara, Mardel. Outras foram também devidas a novos critérios de ocupação do espaço, como na área primitivamente coberta pelo Hospital Real e que viria a ser arruada e, finalmente, em 1775, aberta como praça da Figueira. Fora da área da parte baixa, assim urbanizada, e concomitantemente, Manuel Maia promoveu, porém, o estudo de uma considerável zona semi-rural (cerca de 190 hectares), que se estendia para Noroeste e cuja urbanização foi considerada com a prontidão que Sua Majestade ordenava. As ordens foram dadas a 9 de Abril de 1756 a uma equipa agora constituída por Eugénio Santos, Mardel e Poppe, com A. C. Andreas e J. D. Poppe, que devia já demarcar e balizar o terreno, comunicando-se aos respectivos proprietários instruções relativas à edificação e às infra-estruturas viárias e sanitárias. A intenção era enobrecer a cidade e ajustar (os novos bairros) com a renovação da parte arruinada da cidade, num conjunto harmónico de ruas e fachadas, estas possivelmente enriquecidas para utilização palaciana.
A área coberta tem a forma dum quase triângulo alongado cujos vértices seriam, um, contíguo ao lado norte do Rossio, nas alturas de S. Roque, outros em S. Sebastião da Pedreira e no Arco do Carvalhão, junto das muralhas seiscentistas, abrangendo assim vastos terrenos severamente esquadriados por uma malha urbana de cerca de 45 quilómetros de extensão, dividida em vários núcleos que se articulam e compreendem catorze praças, uma das quais redonda e outra octogonal, com imediatas funções irradiantes. Plano ambicioso e um tanto abstracto, que fez a felicidade de Manuel Maia mas que, terminado já em Dezembro de 1756, foi abandonado e esquecido. Oito anos depois abrir-se-ia um passeio público a uma extremidade da zona assim tratada e a Praça da Alegria, em 1773, também não o tomou em consideração. Em 11 de Agosto de 1757 outra urbanização congénere foi adicionada a esta, a Norte da colina de Santana e indo até Arroios, igualmente sem consequência. Mas a este plano correspondeu outro, relativo à parte oriental de Lisboa, do qual se desconhecem a origem e a autoria. Encerra ele uma área irregular, de feição triangular mas com uma das faces arredondada, e cujos vértices se marcavam sensivelmente em Arroios, Graça e Santos-o-Velho. Ainda mais abstracto do que o plano precedente, este tem um aspecto irrealista com o seu traçado de longas ruas direitas que se sucedem, cruzam ou articulam, independentemente das cotas do terreno acidentadíssimo que percorrem. Nenhuma praça neste conjunto primário, que ficou também esquecido e cuja ambição não tem justificação plausível. Os dois planos demonstram, no entanto, uma vontade, senão um pensamento urbanístico que nenhum obstáculo detinha, na euforia da Reconstrução.

A Legislação da Reconstrução
A legislação de Pombal relativa às obras a realizar marca, todavia, uma considerável pausa após a apresentação dos planos, em Abril de 1756. Com efeito, só dois anos depois, a 12 de Maio de 1758, um alvará com força de lei possibilita e determina o início dos trabalhos. Trata-se da peça básica de todo o processo. Obrigações e direitos dos proprietários, atendendo a várias situações especiais, de aforamento ou enfiteuses, ali são determinadas: cada proprietário receberá uma área de terreno igual à perdida, mas geometricamente configurada, com indemnização pelos espaços ocupados pelos novos arruamentos, e fica obrigado a construir no prazo de cinco anos após termo de responsabilidade, ou, não podendo fazê-lo, deverá ceder o terreno, recebendo a indemnização respectiva. Hipotecas preferenciais sobre as construções permitem obter os capitais necessários às obras. Estas serão feitas conforme um novo plano regular e decoroso que, já anunciado em 1756, agora ia concretizar-se. Um mês depois, a 12 de Junho, Pombal enviou ao duque Regedor das Justiças, que seria encarregado da inspecção geral dos trabalhos (de modo a acelerar sentenças em agravos e reclamações, não obstante quaisquer leis, regimentos, etc. em contrário), os planos definitivos da Baixa, acompanhados por instruções de ordem prática e já pormenorizada. Um ano mais tarde, a 19 de Junho de 1759, novas instruções baixaram sobre a maneira urgente como os proprietários deviam tomar conta dos terrenos que lhes eram atribuídos, e, a 12 de Julho, um edital do Regedor das Justiças ordenou a distribuição dos terrenos na Rua Augusta. Mais de um ano decorrido, a 28 de Outubro de 1760, novo edital da mesma origem (assumira já então a Regedoria das Justiças o arcebispo de Évora, futuro cardeal Cunha) mandava efectuar uma larga distribuição de terrenos em toda a zona, que, em 5 de Novembro, Pombal, por decreto, atribuía, rua a rua, aos diferentes mesteres corporativos, por vezes fixados na nova toponímia (ruas dos Sapateiros, Correeiros, Douradores, mais tarde dos Retroseiros, Capelistas, Fanqueiros). Com este diploma se concluía, em termos simbólicos, o processo da nova Baixa». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

Cortesia de ICamões/JDACT