Prefácio
«(…) Sempre que um homem sonha, o mundo pula
e avança, assim escrevera António Gedeão, na Pedra Filosofal Antes, o
reafirmara o autor da Mensagem: Deus quer, o homem
sonha, a obra nasce. Quando o homem tem o sonho por realidade, o homem
cria a realidade do sonho!… Se a obra não nasce, não é porque Deus o não
queira, mas só porque o homem não sonha. O homem sem ideal já o definiu o autor
da Mensagem: Besta
sadia, cadáver adiado que procria. Devia haver pena de morte para os
sonhos que deixamos morrer…Abortá-los ou deixá-los silenciosos no eterno vazio
das coisas que não são será crime que não merece a condolência do perdão
misericordioso. Na sociedade consumista de hoje, impõe-se a tarefa evangélica
da saída do semeador a semear a sua semente. Tantos terrenos votados ao vil
abandono do menosprezo… É certo, o sonho é rio com água que flui. Mas
uma que outra vez, com cachoeiras de raiva que tanto espumam!… Bem! Desde o sonho à realidade, a
distância vai longe. E cansado e débil e de forças quase exausto, como náufrago
em luta temerosa contra a maré, chega tantas vezes o sonho ao seu destino: - Nai,
onde van os soños que se soñan ? - Os soños non vam, fillo. Os
soños veñen da neboa como naufragos buscando Terra (Eva Veiga).
Há muitas décadas que
este sonho, a monografia do mosteiro
de Santo Tirso, me seduziu. Aos começos, como feto, no ventre materno,
ainda informe, que, porém, já algo vaticina, sem que, todavia, tudo nos
desvende. Que bom seria que a história surgisse, logo aos começos, acabada e
perfeita. Que caísse do céu azul cristalizada como o maná do Deserto! Mas a
história não se faz. Vai-se fazendo!… Também, e por outro lado, não gostava que
fosse o maná. Se caísse já feita, apenas se nos exigiria o esforço momentâneo
de a apanhar. Mas retirar-se-nos-ia o prazer de assistirmos ao seu crescimento.
E mais: o prazer de saborearmos, com deleito redobrado, aquilo que é como a Eva
do Éden paradisíaco: osso dos meus ossos, carne da minha carne. Com
que prazer e carinho não afaga e amacia sobre o seio o seu bebé, uma e muitas
vezes, a mãe que o transporta no paraíso terreal do seu ventre! E, depois que
nasce, como acresce de beijos e carícias, em transportes de ternura, o seu
filhinho, assistindo mimada ao seu crescimento. De qualquer forma,
incontornável o princípio das limitações congénitas do ser humano. Mas não
posso replicar como o mau administrador da parábola: Senhor, sabia que
eras exigente, que recolhias onde não semeavas…
Com certeza que, neste
dia de contas, posso confessar que todos semearam. Que a semente foi boa. E, se
bom fruto não houve, é porque o terreno poderia ter sido melhor. Sei das
dificuldades, sei dos limites. Até porque nunca existiu, em história, a última palavra…
Poderia citar tantos exemplos de últimas palavras que, no mecanismo inexorável
da evolução dialéctica, se fizeram palavras apenas balbuciadas de uma timidez
quase infantil. A confusão evangélica dos últimos com os primeiros… O homem, e
seu produto, nasce, cresce, envelhece e morre. Se nada se cria e nada se
perde, pelo menos tudo se transforma. Só uma coisa me seduzirá: a de fazer o
melhor que sei. Quanto ao resto, nada me ilude. Os elogios não me estimulam
mais que a minha vontade de fazer; as críticas outra coisa não são que meras
varas sem o aguilhão que fira. Não mordem, que deixo caminho aberto e
escancarado a que os outros façam melhor.
De qualquer forma,
gotejam destas páginas suores de muitas canseiras, sonhos perdidos de noites
brancas, sem luares, sem estrelas e sem idílios azuis de anjos com Deus. Apenas
me aflora ao rosto o suor que do meu pai me coube de herdar, ele que, nos
braços esforçados de um Laocoonte, ao solo arrancava os trepos
retorcidos, donde, porém, iria recolher o pão amassado no suor do rosto, com
que, em forma de milagre permanente, saciava a fome de seus filhos. Das gralhas
que, apesar do meu esforço duro, impugnei, derrota antecipada foi a minha luta.
A este propósito, de nada valerá a prece litânica, por mais que repetida, do Libera
nos, Domine!…Por isso, e no que toca às remanescências dos piolhos que
catei, as confio agora ao leitor que pacientemente as haja de expurgar. Tomo
das páginas do fidalgo Francisco Manuel de Melo a recomendação oportuna: da
infelicidade da composição, erros da escritura, e outras imperfeições da
estampa, não há que dizervos: vós os vedes, vós os castigai». In Francisco Carvalho Correia, O Mosteiro de Santo Tirso, de 978 a 1588, A
silhueta de uma entidade projectada no chão de uma história milenária, Tese de doutoramento, Facultade
de Xeografía e História, Universidade de Santiago de Compostela, Estudo, Santiago de Compostela, ISBN 978-849-887-038-1.
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