quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Nadja e a Anima de André Breton Surrealismo. Fabio Yabuschita. «Quando esteve no ‘Solar d’Ango’ para escrever “Nadja”, viu um pássaro morto cair no chão. No livro, é neste momento que ele anuncia a entrada em cena de Nadja, de forma simbólica, o trágico destino da personagem»

Cortesia de wikipedia

«(…) Estes factos, que no surrealismo são formas de desvelar o maravilhoso que subsiste no real, são condizentes com a ideia de sincronicidade, termo criado por Jung (1951/2007) para designar a ocorrência de eventos que se relacionam entre si de forma causal, sem o princípio da causalidade, porém, apresentando equivalência de significados. Inexplicável sob o ponto de vista lógico, a sincronicidade não depende da vontade consciente do indivíduo para ocorrer, nem pode ser provocada por uma acção deliberada. O que é preciso sim é uma sensibilidade, ou disposição interior, que nos permita percebê-la como um fenómeno de natureza inusitada e surpreendente, algo não muito diferente do maravilhamento provocado pelas petrificantes coincidências constatadas em Nadja. Nesse sentido, a deambulação pelas ruas, o espaço propício para as experiências surrealistas, seria uma forma de favorecer o acaso e o imprevisível, e, portanto, uma forma de se manter receptivo aos eventos sincronísticos. Além das coincidências e dos acasos objectivos, que ocorreram praticamente ao longo de todo o livro, há algumas passagens antecipando que algo maior estava a caminho de acontecer na vida de André Breton, ou seja, no campo da alma a terra já estava sendo preparada para receber a semente.
A atmosfera favorável para o encontro com o arquétipo da anima está indicada na passagem em que o autor discorre sobre o teatro, não por acaso o lugar privilegiado para dar corpo às fantasias e despertar na plateia sentimentos e reacções que de outra forma talvez não se manifestariam. Assim, ao discorrer sobre o Teatro Moderno, descrevendo as suas impressões sobre uma das suas salas, o autor evoca algumas lembranças que despertaram-lhe o desejo apaixonado de encontrar aquela que pode ser descrita como a Mulher da Floresta, o ser encantado comumente representado em lendas e contos de fada como uma pessoa bela e misteriosa, forma como também costuma aparecer nas fantasias masculinas. Sempre desejei incrivelmente encontrar à noite, num bosque, uma mulher bela e nua, ou antes, como tal desejo uma vez expresso perde seu significado, lamento incrivelmente não a haver encontrado. Não se trata, evidentemente, de uma pessoa qualquer, pois uma mulher que se apresente em tais condições só pode ser um espírito da natureza, uma entidade fantástica oriunda de outros mundos.
Como é alguém que se encontra no bosque, esse outro mundo é o inconsciente, pois ele também é representado em forma de bosques e florestas. O facto de ser à noite reforça a ideia de algo vindo do desconhecido. Para Breton, um encontro como este não seria delírio e poderia de facto acontecer. A mulher almejada por ele não estaria nos lugares comuns, e teria algo que a diferencia de todas as demais. Psicologicamente esta mulher, perigosamente sedutora, foi a projecção de alguma fantasia capaz de despertar os seus mais profundos desejos. Neste caso a projecção, uma das formas pelas quais a anima se manifesta, ocorreu numa figura da imaginação. Assim, a imagem de uma mulher nua no meio do bosque, despida de pudores e moral civilizadora, aponta para os aspectos instintivos da feminilidade, ou seja, à forma mais primitiva da anima, pela qual o autor já vinha sendo inconscientemente atraído.
Logo adiante Breton fala de uma peça que ele assistiu inúmeras vezes neste teatro, sentindo uma admiração especial pela atriz Blanche Derval, que na peça Les Détraquées representava uma personagem esculturalmente bela e perversa (anos mais tarde ele acrescentou em nota o seu arrependimento por não ter levado adiante a sua atracção passional pela actriz, que nunca mais vira). Este facto, que no livro está associado a uma coincidência envolvendo um antigo professor, que na peça auxiliou o autor a tecer o perfil psicológico das personagens, pode ser traduzido como uma disposição interna em se envolver afectivamente com alguém, neste caso uma actriz cujo papel ambivalente na peça despertou-lhe, por razões desconhecidas, uma atracção especial. Estes acontecimentos correspondem à primeira parte do livro, uma espécie de prólogo que apresenta em suas páginas iniciais um panorama do surrealismo até aquele momento, acrescidas de algumas reflexões e comentários sobre temas pertinentes ao movimento. A segunda parte, escrita em forma de diário, trata dos encontros com Nadja, que ocorreram ao longo de 10 dias, durante o mês de Outubro de 1926. A parte final, escrita quatro meses depois, traz novas reflexões do autor sobre esta sua experiência, que retrata um dos momentos mais inspirados e sublimes do surrealismo. Antes dos relatos, uma observação interessante que aproxima as experiências de Jung e André Breton a respeito do inconsciente. Quando esteve no Solar d’Ango para escrever Nadja, André Breton viu um pássaro morto cair no chão. No livro, é justamente neste momento que ele anuncia a entrada em cena de Nadja, antecipando, de forma simbólica, o trágico destino da personagem». In Fabio Massao Yabushita, Brasil, Wikipédia, 2012.

Cortesia de wikipédia/JDACT