sábado, 11 de janeiro de 2014

Gonçalo Vasques Coutinho. Senhor do Couto de Leomil. «… era prática corrente antes das batalhas, concedeu a dignidade de cavaleiro a 24 escudeiros fidalgos. Após uma espera de duas semanas e em resultado da assinatura de um acordo de pazes entre os dois reinos, a dar origem ao ‘Tratado de Salvaterra’»

Cortesia de wikipedia

A Beira no horizonte
«Nascido muito provavelmente na segunda metade da década de 1360, fruto do casamento entre o cavaleiro Vasco Fernandes Coutinho, que as fontes identificam como vassalo régio e figura próxima da Corte de Fernando I, e Beatriz Gonçalves Moura, Gonçalo Vasques Coutinho é, pese embora a circunstância de ter sido um dos mais prestigiados comandantes militares do seu tempo, uma personagem cujos primeiros anos de vida permanecem totalmente desconhecidos em virtude do silêncio das fontes. Ainda assim, é legítimo pensar que, apesar das ligações paternas à região da Beira, o seu nascimento pode ter ocorrido no Alentejo, provavelmente na zona de Serpa e de Moura, de onde era oriunda a família de Beatriz Gonçalves e onde o pai, Vasco Fernandes, foi constituindo um importante núcleo patrimonial, em parte doado pelo rei. Uma outra possibilidade é a de ter nascido já na cidade de Évora, cuja alcaidaria fora entregue por  Fernando I a Vasco Fernandes Coutinho. Terá sido, pois, nesta região que passou os seus primeiros anos de vida e onde certamente terá começado a receber a educação marcial que faria dele um guerreiro de renome, seguindo aliás as pisadas do pai que se destacara, em 1369, na conquista de Monterrey.
Mas o regresso de Vasco Fernandes à Beira, onde recebera em 1374 o castelo e a terra de Penedono, era inevitável. Assim, em 1377, é nomeado meirinho-mor nessa comarca, estabelecendo residência em Lamego e reforçando, assim, como sublinha Luís Filipe Oliveira, a sua influência e peso regional. E numa altura em que desempenha um papel cada vez mais importante, também o seu filho Gonçalo Vasques que o terá acompanhado nesse regresso, começa a adquirir uma visibilidade crescente. De facto, em 1379 e por intercessão de Leonor Teles, que por esses anos patrocinou a realização de muitos outros casamentos nobres, casa com Leonor Gonçalves Azevedo, filha do prestigiado Gonçalo Vasques Azevedo, recebendo então de Fernando I, em regime de morgadio, os reguengos de Rio Maior. Contudo, tal como o pai, também os seus interesses começam a orientar-se cada vez mais para a região beirã onde, naturalmente e enquanto primogénito, viria a herdar boa parte do património de Vasco Fernandes. Sinais dos laços que então começa a criar, ou melhor, a consolidar nessa mesma região são, por um lado, o facto de em 1381 receber do rei Fernando I, a terra de Armamar e, por outro, a troca do património ribatejano que havia recebido em 1379, por outros bens fundiários localizados nas regiões de Lamego e de Viseu, como que preparando o seu regresso em força à zona de onde a sua família paterna era oriunda para assumir o lugar de seu pai na chefia da linhagem.
Sinal dessa autêntica passagem de testemunho é a circunstância de ter sido já Gonçalo Vasques, que entretanto recebera a alcaidaria de Trancoso, a mobilizar e liderar as mesnadas de seu pai no Verão de 1382, quando o monarca Fernando convocou a hoste régia para a zona do Alto Alentejo, a partir de onde pretendia avançar contra território inimigo e defrontar o exército castelhano em batalha campal. Apesar de Vasco Fernandes se encontrar ainda vivo, mas muito provavelmente já bastante doente ou debilitado pela idade, porquanto virá a morrer nos finais de 1383, foi o seu filho, que na altura não passaria de um escudeiro, a apresentar-se ao rei em Évora, ao comando de perto de 150-200 lanças de cavalaria. Mas o que Gonçalo Vasques não podia imaginar era que a chegada àquela cidade o poria de imediato em contacto com as tramas que assolavam a corte régia, designadamente com a conspiração urdida por Leonor Teles com o objectivo de fazer desaparecer dois dos seus principais opositores: o Mestre de Avis, D. João, e Gonçalo Vasques Azevedo, recentemente elevado à condição de marechal do reino.
Com efeito, assim que o rei foi informado, segundo Fernão Lopes, através de cartas forjadas por iniciativa da rainha, dos planos do Mestre e do marechal que, alegadamente, planeavam traí-lo e bandear-se para Castela, ordenou a prisão imediata de ambos. Surpreendido pela notícia, Gonçalo Vasques ainda terá chegado a sugerir ao seu sogro que fugisse. Contudo, com receio que o genro viesse a ser alvo de represálias e convicto da sua inocência, este recusa a proposta e deixa apenas que o acompanhe até ao alcácer de Évora onde deveria, tal como o Mestre João, ser executado. Acabarão, no entanto, por passar apenas um ou dois dias na prisão, sendo libertados por intercessão de diversos nobres, nomeadamente de João Afonso Telo e do conde Edmundo de Cambridge. Ainda que as fontes nada adiantem, é muito natural que, de Évora, Gonçalo Vasques se tenha então reunido à hoste régia portuguesa que, nas imediações de Badajoz, se preparava para defrontar o exército de Juan I de Castela nas margens do Caia. É possível que tenha, então, sido armado cavaleiro, já que o rei, como nos afirma Fernão Lopes e conforme era prática corrente antes das batalhas, concedeu essa dignidade a 24 escudeiros fidalgos, entre portugueses e ingleses. Contudo, após uma espera de duas semanas e em resultado da assinatura de um acordo de pazes entre os dois reinos, que viria, poucos meses depois, a dar origem ao Tratado de Salvaterra, a batalha campal para a qual Gonçalo Vasques se preparara acabou por não ter lugar, pelo que é muito possível que tenha regressado à Beira logo que Fernando I, já bastante doente, desmobilizou as suas forças». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT