Portugal encontra a China
«(…) Em 1515 partia, desta vez de Goa, uma expedição portuguesa à
China. Era comandada por Rafael Perestrelo e o destino, de novo, o delta do Rio
da Pérola .Faz comércio e vai a Malaca vender o que comprou, com lucro de vinte para um. O cronista Fernão
Lopes de Castanheda coloca na boca de Perestrelo a seguinte apreciação: que os chins queriam paz e amizade com os
portugueses, e que era muito boa gente. Rafael chegou a Lisboa no verão
de 1518, tornando-se, muito
provavelmente, no primeiro português a concluir uma viagem de ida e volta entre
Portugal e a China, sendo também o primeiro europeu a fazê-la seguindo uma via
exclusivamente marítima.
Uma terceira expedição ordenada pela Coroa portuguesa à China partira,
entretanto, de Lisboa, em 1515. Era
comandada por Fernão Peres Andrade. Chega em 1517 ao largo de Cantão. Os navios dispararam uma salva de canhão,
uma prática corrente usada nesses tempos pelos portugueses em todo o Índico,
num misto de saudação e de intimidação. Para os registos chineses fica a conduta imprópria dos portugueses, que não
só estavam ali sem autorização das autoridades competentes, como tinham
cometido uma falta contra os costumes da terra. A principal missão de
Peres Andrade não era a de comerciar. Estava ali para tentar avistar-se com o
Imperador. Numa reunião com os mandarins locais, eles julgaram estar perante
mais uma visita de cortesia, no âmbito do comércio tributário. Procuraram nos
registos imperiais por visitas anteriores dos folangji, o nome pelo qual os
portugueses se apresentaram. Mas não encontraram nada.
Isto leva-nos a outro problema: quem
eram os portugueses, aos olhos dos chineses? Habilmente, os Portugueses
chamavam-se a si vários nomes, a começar por folangji, não se sabe ao certo, mas
será corruptela de...francos ou..folang… o nome pelo qual a generalidade dos ocidentais
era conhecido na China, reminiscências seculares dos contactos terrestres
havidos, através da Rota da Seda, e por intermédio dos árabes, com a
Europa Medieval. Mas também se designavam… vindos do país do ocidente, à beira de
um grande mar… Esta descrição levaria à classificação de Da Xi Yang Guo, a
tradução à letra do conceito. Como o chinês não tem plural para estes casos, o
registo nos livros tributários para Da Xi Yang Guo até podia significar vários
países, pois os concorrentes dos portugueses, que iam chegando, para poderem comerciar
também se acomodavam ao registo que melhor lhes convinha... e passarem a ser
todos Grandes Reinos do Mar Ocidental.
Da comitiva de Fernão Peres Andrade fazia parte Tomé Pires, boticário,
que tinha alguma experiência da região da Ásia do Sueste e do mar da China. Foi
ele o escolhido para chefiar um grupo de portugueses que ficou em terra, à
espera de uma decisão das autoridades sobre a sua ida até à corte imperial, em Beijing.
Só em l520 saiu de Cantão e, ao chegar
à capital, o primeiro embaixador português ia mal preparado: quando foi aberta a
Carta que o rei Manuel I mandara ao imperador, descobriu-se que ela era num tom
de igual para igual, entre soberanos, e diferia em muito da tradução que os intérpretes
tinham feito inicialmente, sendo por isso descabeçados. Depois, houve
algum azar na missão de Tomé Pires, pois nessa mesma altura chegavam a Beijing familiares
do sultão de Malaca, deposto pelos portugueses que ali ia pedir auxílio. Para somar
a tudo isto, o imperador morria, em 1521.
Com luto decretado, a corte mandou de volta Tomé Pires e o seu grupo a Cantão.
Terão todos morrido em prisão. Fernão Mendes Pinto,
na Peregrinação, fala de ter
vistos descendentes destes portugueses, fruto de ligações com chinesas. Aliás, um
terço da Peregrinação é dedicado
à China, mais abastada que todas as terras quantas há no mundo, com um governo que
a todas as outras terras podia fazer inveja, e com um povo muito hábil e engenhoso
em todo o negócio mecânico, e de agriculturas». In Portugal encontra a China,
Testemunhos de uma convivência, Portugal e a China, Uma Ponte com 500 anos,
Instituto Camões, Fundação Oriente, 2004.