Á esquerda o Painel do
Infante, Painéis de São Vicente; à direita os Painéis de São Vicente por Alain
Donnat,
2010
Cortesia de midas
Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente
Os itinerários dos Painéis
«(…)
A investigação de José Figueiredo então publicada permitirá ao seu autor
operacionalizar os critérios expositivos dos painéis no MNAA, instituição onde
chega em 1911 e dirige até 1937: a obra é exposta numa sala do
andar nobre do palácio em dois trípticos. O mesmo critério tinha sido seguido
na primeira exposição, e seria depois utilizado quando as pinturas viajaram
para fora do país em 1929 e em 1931, respectivamente para a Exposição
Cultural da Época dos Descobrimentos de Sevilha e para a Exposição
Colonial Internacional de Paris. Sobre estas duas exposições diz
nostalgicamente João Couto que Nunca
mais se fizeram certames de tanta importância, apresentados com tanto gosto e
portadores de tão nobre mensagem. O ambiente expositivo do museu em 1911 era semelhante ao de tantos outros
que herdaram do século XIX a tendência para a profusão de peças dispostas por
toda a área das divisões, num espaço originalmente palaciano:
- Nas portas interiores colocaram-se pesados reposteiros com suas guarnições. Ao passo que das paredes pendiam as pinturas, fixadas em várias filas, no centro das salas dispunham-se vitrines; e as cadeiras, mesas, baús, enfileiravam-se ao longo dos rodapés.
Contra
este critério, José Figueiredo decide expor apenas as obras com real valor
artístico, e reduzir a quantidade de peças expostas, valorizando-as assim aos
olhos do visitante. Seria um critério revolucionário. Em 1940 inaugura-se o Anexo
do MNAA
com a exposição de Primitivos Portugueses. 1450-1550. Expostos no
piso superior, os Painéis são apresentados em políptico numa parede forrada a
tecido, e tendo um baldaquino gótico incorporado ao centro. Este critério segue
a teoria de Almada Negreiros e do crítico de arte José Bragança, de acordo com
a qual a sequência das tábuas deveria respeitar a perspectiva dos ladrilhos ali
representados. Após esta exposição coloca-se ao museu a decisão do critério a
adoptar doravante. Em 1942, diz o
director João Couto:
- expusemos as tábuas equidistantes, embora apresentando-as ordenadas da forma como a Exposição dos Primitivos as tinha exibido (…) Os organismos responsáveis do Estado não concordaram porém, com o nosso modo de ver. O Museu, foi de certo modo constrangido a subordinar-se ao critério da Exposição dos Primitivos se bem que simplificado, pois o dispensaram agora de colocar o baldaquino central para o São Vicente de vulto.
Assim,
os Painéis
manter-se-ão no Anexo, mas
numa solução mais sóbria que a do anterior director, pormenorizada apenas com
algumas peças de mobiliário. Esta intervenção estatal é significativa da forma
como no Estado Novo eram pensadas e tratadas as questões do património
artístico, quando este era interpretado na perspectiva da identidade e
glorificação nacionais. Os Primitivos Portugueses ocorrem numa
data especialmente significativa para a nação, pois decorria a Exposição
do Mundo Português. A exibição dos Painéis quer na referida exposição,
quer enquanto obra central do Museu, dão a ver aquilo a que João Couto chama de
o lusitanismo da arte portuguesa, defendido por José Figueiredo que, com
a publicação da sua obra, teoriza a existência de uma escola portuguesa de
pintura, até então desconhecida ou infundada.
Em 1947
é celebrado o 8.º centenário da tomada de Lisboa aos Mouros. O cortejo
de celebração integra uma réplica de três
dos Painéis, que desfilam até ao Rossio. Em 1955 a 3.ª e última viagem internacional dos Painéis cumpre-se até
Londres, e o critério de incorporação de outras peças no centro do políptico,
presente nos Primitivos Portugueses,
é secundado. Na XVII Exposição de Arte Ciência e Cultura, que o
governo português organizou com o apoio do Conselho da Europa em 1983 sob a temática dos descobrimentos
portugueses na Europa do Renascimento, o MNAA acolheu um dos cinco núcleos: A
arte, ciência e cultura nos séculos XV e XVI. Aqui se reuniram aos Painéis,
vindas de Espanha, as tapeçarias de Pastrana feitas a
partir de cartões da autoria de Nuno Gonçalves, comemorativos da tomada
de Arzila e da ocupação de Tânger. Este encontro de obras já tinha ocorrido
pela primeira vez em 1929 em Sevilha,
e voltará a acontecer em 2010. O
espaço do Anexo tem sido desde
1940 o local de exposição permanente
dos Painéis.
As referências das duas últimas décadas relativas aos critérios expositivos adoptados
para a obra denotam alguma diversificação sobre o espaço neutro que é actualmente
a sua habitual ambiência, e ocorre em situações de exposições temporárias».
In. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa
Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa, Modos de ver e de dar a ver
os Painéis de São Vicente, Varia, Museus e Estudos Interdisciplinares, Revista
MIDAS, 2, 2013.
Cortesia de Midas/JDACT