segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Espaço. Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a XX. Anísio Miguel Saraiva. «Para melhor se compreender a história da diocese de Lamego, inserida primeiro no reino suevo, depois no visigodo, em seguida no Condado de Coimbra e, finalmente, no Condado Portucalense e no emergente reino português…»

Sé de Lamego, 1920
jdact e wikipedia

Introdução
«Construído a partir da segunda metade do século XII em sucessivas etapas, o complexo catedralício da Sé de Lamego constitui um dos monumentos históricos mais emblemáticos não apenas da cidade de Lamego, mas de toda a região do Douro, razão pela qual sempre despertou grande interesse e tem sido objecto frequente de investigação e de problematização. No entanto, apesar deste lugar de relevo que ocupa no panorama patrimonial e historiográfico local e nacional, verificamos que os estudos até hoje dedicados a este edifício e às suas sucessivas fábricas construtivas resultam em grande parte de investigações pontuais e dispersas, na sua maioria realizadas a partir de leituras parciais e lacunares da documentação e do próprio edifício, que não concorrem para uma sólida interpretação de conjunto no tempo longo.
Com este livro, Espaço, poder e memória: a catedral de Lamego, sécs. XII a XX, pretendemos, de algum modo, colmatar essa lacuna, infelizmente ainda comum à maioria das catedrais portuguesas, procurando promover a investigação e o debate interdisciplinar em torno destes monumentos nacionais, assim como incentivar a elaboração de sínteses coerentes e actualizadas sobre estes edifícios, neste caso concreto sobre a Sé Duriense e os seus mais de 800 anos de história. Ao aliarmos o rigor da informação, a interligação temática e cronológica das diferentes abordagens por nós selecionadas, a um discurso rigoroso mas ao mesmo tempo acessível, procurámos não só elaborar uma monografia de interesse científico, mas também uma actualizada e abrangente fonte de estudo e de informação, escrita e gráfica, adequada ao público em geral e à população escolar em particular, tão carente entre nós de obras com conteúdos simultaneamente apelativos e bem fundamentados do ponto vista científico. A divulgação consistente do percurso histórico e artístico deste complexo monumental junto do grande público abre um caminho seguro para que este o possa melhor compreender, valorizar e preservar. Esta preocupação assume particular pertinência e oportunidade pela dinamização cultual e promoção histórico-cultural que recentemente têm recebido as catedrais portuguesas, enquanto espaços de religiosidade, arte e poder, quer no âmbito do turismo religioso, quer dos vários programas de musealização e de conservação em curso.
Dando seguimento ao nosso propósito, considerámos importante reunir neste livro as contribuições de um leque de nove investigadores nacionais e estrangeiros, especialistas em diferentes áreas de trabalho, como a História, a História da Arte, a Arquitectura, a Conservação e o Restauro, e em diferentes períodos históricos, desde a Idade Média à Época Contemporânea, que na sua maioria foram sumariamente apresentadas pelos respectivos autores no Encontro Internacional Espaço, Poder e Memória: a Sé de Lamego em oito séculos de história, realizado no Museu de Lamego, em Abril de 2010, sob nossa coordenação e de Alexandra Braga, técnica superior deste mesmo Museu. O esforço de contextualização e de síntese impresso neste evento científico ganha agora a sua forma definitiva e ampliada, através de uma organização temática, representativa dos principais momentos da história da catedral de Lamego: desde a nebulosa e pouco estudada fase inicial de restauração da diocese e de construção da catedral românica e gótica; passando pelo período áureo de renovação renascentista da Sé, fortemente impulsionada pela actividade mecenática dos bispos de então, até aos séculos da Contra-Reforma e ao impacto que tiveram na organização da estrutura da diocese e na sua praxis governativa, plasmada na reformulação arquitectónica e artística que a catedral então sofreu e que lhe conferiu a forma e a projecção que ainda hoje apresenta, sem esquecermos o período da sua história recente marcada pelas sempre interpeladoras intervenções da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais e abordagens técnicas de restauro que a catedral conheceu ao longo do século XX». […] In Anísio Miguel Saraiva, Coimbra, Março de 2013.

Construir e Organizar
A organização da diocese de Lamego. Da reconquista à restauração da dignidade episcopal. In Maria do Rosário B. Morujão
A diocese de Lamego nas suas origens
«Para melhor se compreender a história da diocese de Lamego, inserida primeiro no reino suevo, depois no visigodo, em seguida no Condado de Coimbra e, finalmente, no Condado Portucalense e no emergente reino português, forçoso é recuar até ao mais antigo passado de Lamego como sede de bispado. Foi ainda durante o Império Romano que a religião cristã foi introduzida na Península Ibérica e se começaram a organizar, neste extremo ocidental da Europa, as primeiras comunidades de seguidores de Cristo; assim também sucedeu na região de Lamego, onde sabemos que a romanização se fizera fortemente sentir. O desenvolvimento do cristianismo na zona levou a que Lamego se tornasse sede episcopal no século VI, durante o domínio suevo da parte norte do território futuramente português, e no tempo da acção missionadora levada a cabo por S. Martinho de Dume, a partir do mosteiro, próximo de Braga, ao qual o seu nome ficou para sempre associado. É nas actas do II Concílio realizado nesta cidade, em 572, que surge a mais antiga subscrição de um bispo de Lamego, Sardinário. Existem referências a anteriores prelados, que relevam provavelmente apenas do domínio da lenda ou, pelo menos, não têm qualquer comprovação documental; por isso, devemos considerar Sardinário como o primeiro bispo de Lamego de que há certeza, de acordo com as investigações mais seguras e recentes acerca desta difícil temática.
Difícil, essencialmente, porque as fontes ao dispor dos investigadores são poucas e lacunares. Até ao final do século VII, provêm quase sempre, e unicamente, das subscrições episcopais conservadas nas actas dos concílios realizados pela Igreja hispânica; por esta via conhecemos oito prelados, de 572 a 693, cujos nomes, quase todos germânicos, formam uma sequência a que não podemos ter a certeza de não faltar alguém».

Bispos de Lamego, séculos VI e VII

In Espaço, Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a XX, Coordenação de Anísio Miguel Sousa Saraiva, Maria do Rosário B. Morujão, Estudos de História Religiosa, Centro de Estudos de História Religiosa, Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2013, ISBN: 978-972-8361-57-0

Cortesia da UCPortuguesa/JDACT