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Visibilidade pública
«(…) Tudo isso veio se
configurar no novo contexto político brasileiro, que havia se tornado propício
à ampla mobilização social e à emergência de diversas reivindicações colectivas.
E podemos dizer que a origem do movimento de prostitutas, no Brasil, foi
eminentemente urbana, configurando-se em torno de denúncias contra atentados
aos direitos civis e pelo direito à cidade. Em 1987, as prostitutas militantes organizam no Rio de Janeiro o I
Encontro Nacional de Prostitutas, no Centro de Artes Calouste Gulbenkian.
Outros encontros similares são realizados, em seguida, em várias capitais do
país. No I Encontro Norte-Nordeste de Prostitutas, em Recife, em 1988, elas discutiram a retirada do
capítulo V do código penal e lançaram o primeiro jornal destinado à categoria,
o Beijo da Rua; no I Encontro das
Prostitutas Gaúchas, realizado em Porto Alegre, em 1989, foram relatados os problemas de humilhação
institucionalizada, como, por exemplo, a existência de um termo de vadiagem
a ser assinado na delegacia pelas prostitutas presas ilegalmente nas ruas da
cidade; e o I Encontro de Prostitutas do Pará, realizado em Belém, no
ano de 1991, as mulheres puderam
contar com o apoio institucional do governo daquele estado. Naquele mesmo ano,
uma rádio comunitária foi criada na Vila Mimosa. E no ano seguinte, o
Programa Prostituição e Direitos Civis desvincula-se do Instituto de Estudos da
Religião (ISER) e passa a existir como a organização não-governamental Davida
- Prostituição, Saúde e Direitos Civis, assessorando a fundação de
novas associações em todo o Brasil e difundindo, através do jornal Beijo da Rua, os ideais da Rede.
Em 1988 a Assembleia Constituinte promulgou também a nova
Constituição. Com ela, o Ministério da Saúde criou o Sistema Único de Saúde (SUS)
e o seu Programa Nacional de AIDS, que viria desempenhar o papel determinante
de incentivo à formação associativa das prostitutas, em todo o território
nacional, e à participação da categoria nas Coordenações Estaduais e Municipais
de DST/AIDS. O aparato institucional de promoção e apoio às associações passou
a reflectir tanto o resultado da mobilização das militantes quanto um estímulo
à participação política cada vez mais florescente. Agentes de saúde, profissionais
do sexo e, mais recentemente, profissionais da sexualidade são
terminologias que foram testadas e cunhadas na démarche das actividades
associativas e no diálogo estabelecido entre os grupos organizados e o Estado.
Para este, tais terminologias permitem melhor formular as acções multiplicadoras, com a qual se
espera alcançar um determinado resultado junto aos membros da categoria do
agente.
No que concerne aos interesses
dos grupos, essas terminologias podem não passar de eufemismos ou, em alguns
casos, representar uma nova profissão,
o que gerou inúmeros e aguerridos debates entre as prostitutas militantes.
Apesar desses imponderáveis, as terminologias vieram mudar, de todo modo,
certos paradigmas relativos à prostituição ao considerarem os membros da
categoria como profissionais do sexo ou da sexualidade.
Permitiram também realçar uma série de procedimentos e capacidades desenvolvidas
no aprendizado do métier. O emprego dessas terminologias possibilitaram,
ainda, incluir e manter o debate sobre a prostituição nas mais diversas arenas
sob a perspectiva do trabalho e, mais precisamente, à luz de determinadas
competências reconhecidas para o exercício de um ofício. Ofício e custos
aprendidos, por sua vez, nas interacções que ocorrem em determinados
horários, situações, ruas e casas da cidade e que serão, a seguir, objecto de
nossa atenção.
A prostituição e a cidade: problemas públicos e
identidade social
Durante
quase todo o século XX o Rio de Janeiro comportou, em sua região central,
conhecida como Cidade Nova, uma vasta área onde o baixo meretrício
floresceu e perdurou. A Zona do Mangue, como era chamado aquele conjunto
de ruelas e casas que se estendia às margens do canal, estava próxima das
estações dos trens da Central do Brasil e da Leopoldina, e
ligava-se ao cais do porto pelo bairro vizinho da Gamboa. Além disso,
abrigava em seu perímetro pequenos alojamentos, cortiços, pensões e casas de zungu (data de 1877 e, em língua quimbundo, nzangu,
quer dizer confusão, barulho, rixa. Casa de zungu possuía as mesmas
características das casas de cómodo,
ou seja, residências multi-familiares cuja ocupação ocorria sobretudo nos
casarões da região central da cidade) que proporcionavam o acolhimento dos
trabalhadores que por ali passavam nas suas rotinas quotidianas ou na chegada à
cidade. Precisamente pela razão de sua localização e pelo grande número de
pessoas que concentrava, (entre 1920 e 1930, para cada três
brasileiras que trabalhavam no Mangue havia uma estrangeira. As polacas
e as francesas eram maioria, contabilizando cerca de dez mil escravas brancas que entre 1918 e
1930 desembarcaram nos portos brasileiros para se prostituírem. Nas
fichas reunidas no 13º. Distrito de Polícia vê-se que ali também aportaram romenas,
russas, jugoslavas, argentinas e, entre todas,
predominavam as judias, pois muitos traficantes
de mulheres eram israelitas), instalaram-se nos limites do Mangue
duas instituições disciplinares responsáveis por destinar àquela área a função
capital de um cordão sanitário. A primeira delas foi o Hospital
São Francisco de Assis, em 1922,
que passou a funcionar no antigo prédio do primeiro asilo de mendigos da
cidade. Dois anos antes de abrirem as portas como hospital destinado ao
tratamento de doenças venéreas, o governo da antiga capital da República já
havia mandado retirar as prostitutas que faziam o trottoir em
outros bairros centrais, obrigando-as a permanecerem nos lupanares do Mangue
durante a visita do rei e da rainha da Bélgica à cidade. A segunda instituição
disciplinar instalada na região foi o 13º. Distrito de Polícia, o qual mantinha
nos seus arquivos um ficheiro com o nome de todas as mulheres que trabalhavam
nos bordéis locais». In Soraya Silveira Simões, Identidade e política. A prostituição e o
reconhecimento de um ‘métier’ no
Brasil, Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, v.2,
n.1, 2010.
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