domingo, 26 de janeiro de 2014

Memória acerca dos portugueses na Abyssínia. 1894. Visconde de Soveral. «… interesse o itinerário do padre Jeronymo Lobo, cujo manuscrito original pertencera à biblioteca dos condes da Ericeira, e fora traduzido em francês por Le Grand, e publicado em Amsterdão em 1728. As bibliotecas dos marqueses de Castel Melhor e dos condes da Ericeira eram afamadas…»

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«(…) Entre varias curiosidades, menciona o padre Manoel d'Almeida, as ruínas de Accuma ou Axuma como amostras da beleza original d'aqueles edifícios; e outrossim confirma a tradição dos artistas empregados em essas construções, terem sido mandados vir do Egypto, por ser desconhecida na Abyssínia a arte de lavrar a pedra. O notável historiador João de Barros, corrobora a magnificência das ruínas de Accuma, corte que diz fora da rainha de Sabá e de vários Imperadores da Ethiópia. Descreve aquelas ruínas, e faz menção do que sobre elas afirma o cardeal Baronio, nos seus anais eclesiásticos. Diz figurarem ali várias ruínas, obeliscos, etc, especialmente de uma igreja que mostra ter sido de cinco naves, medindo duzentos e vinte palmos de comprimento e cem de largura. Distam estas ruínas três léguas de Eremonia, e de Macuá trinta e cinco, em altura de 14 graus e meio. João de Barros descreve outras ruínas similares, denominadas Zimbabe, situadas a 170 léguas de Sofala, na África oriental.
O padre Balthazar apoia a sua narrativa em cartas pertencentes à missão da Ethiopia, então arquivadas no cartório do Colégio, em Coimbra, algumas de 1556.
Não é fora de propósito mencionar os escritos do padre jesuíta Damião Vieira, o qual missionara na Índia quarenta anos. Entre seus trabalhos citam-se excelentes memórias relativas à história da Índia, como também um volumoso manuscrito sobre a descoberta da Índia, que pertencera ao marquês de Fontes, antigo embaixador em Roma. Afirma-se que esse manuscrito contém detalhes e particularidades relativas à descoberta da Índia que não existem na obra de João de Barros. É também digna de atenção a carta publicada na Colecção de Ramusio, sob o titulo: Lettere del padre maestro Francisco Xavier de Cangoxina, Città del Giapan, inderezzata a un Collegio de Scholari di detta Compagnia en Coimbra, Portogallo; datada de 5 de Outubro de 1549. Merecem também estudo os escritos do padre Procurador em Roma, Alvaro Semedo, da província do Japão e da China, publicados em 1642.
Sobe de interesse o itinerário do padre Jeronymo Lobo, cujo manuscrito original pertencera à biblioteca dos condes da Ericeira, e fora traduzido em francês por Le Grand, e publicado em Amsterdão em 1728. As bibliotecas dos marqueses de Castel Melhor e dos condes da Ericeira eram afamadas pelos valiosos documentos que continham relativos às descobertas dos portugueses. Muitos d'esses padrões de glória nacional ficaram sepultados nas ruínas do terramoto de 1755; alguns foram felizmente parar a várias bibliotecas estrangeiras. Em Roma, Florenca, Bologna e Veneza, tive eu a fortuna de compulsar algumas relíquias do outrora levantado Portugal.
Revertendo ao itinerário do padre Jeronymo Lobo, é mister confessar que contém informação de alto interesse, inclusive uma carta geográfica da Abyssínia, na qual estão designadas as igrejas dos padres jesuítas e suas residências. Este notável membro da Companhia foi perseguido, e até encarcerado em Macuá, de onde conseguiu evadir-se para Lisboa, de cujo ponto passou a Roma em serviço da missão da Abyssínia. Não fora, porém, bem acolhido pela Cúria. Regressou a Goa, e ali ocupou o cargo de Reitor daquela província; e passados vários anos regressou a Lisboa, falecendo de idade avançada na Casa Professa de S. Roque, a 29 de Janeiro de 1678. O padre Lobo não perdeu o tempo na Abyssínia, nem mesmo escapou a agudeza de seu espírito investigador apontar Macuá como ponto estratégico e chave da Abyssínia. Os italianos assim o reconheceram há poucos anos, quando ocuparam aquela cidade. Os abexins favoreceram e trataram bem os portugueses enquanto careceram do seu auxilio, nas dissensões internas; passado o perigo, a sua conduta tornou-se insuportável. O próprio Patriarca João Bermudez foi preso, e se conseguira a liberdade, ele mesmo declara deve-la ao auxilio de três portugueses, cujos nomes menciona: Manoel Soveral, Peropalha e Denis Lima. O Patriarca conseguiu por fim abandonar o país em 1565». In Visconde de Soveral, Memória acerca dos portugueses na Abyssínia, Porto, Tipografia do Comércio do Porto, 1894.

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