quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Escritores. São Tomé e Príncipe. Caetano Costa Alegre. «A ilha te fala de rosas bravias com pétalas de abandono e medo. No fundo da sombra bebendo por conchas de vermelha espuma que mundos de gentes por entre cortinas espessas de dor»

Cortesia de wikipedia

«(…) A cana do açúcar, introduzida em 1501 a partir da ilha da Madeira, foi o primeiro produto agrícola de rendimento. Devido à fertilidade do solo e do clima favorável, esta produção rapidamente prosperou registando-se, poucos anos depois, a presença de 60 engenhos de açúcar em toda a ilha. O fabrico de açúcar, o comércio de escravos, a produção da pimenta e a exportação de madeiras eram, no século XVI, a principal fonte de rendimentos de São Tomé. Este regime de capitanias iria permanecer em vigor até 1522, altura em que se aplica novo tipo de administração, agora dependente directamente da Coroa. A ilha de Santo Antão, que posteriormente passou a ser denominada de Príncipe, foi concedida a António Carneiro que manteve essa doação até 1573, altura em que passa a ser administrada como propriedade da Coroa e é anexada a São Tomé. É nessa altura que a capital da província passa a ser Santo António, ilha do Príncipe, que apesar de ter sido afectada pela decadência vivida em São Tomé, oferecia uma atmosfera mais calma para o governo.
Para começo de caracterização do tipo de sociedade que se iria formar, deve-se dizer que o povoamento das ilhas foi feito com africanos vindos da costa africana, filhos judeus arrancados aos pais, artífices e degredados e a cada um destes foi mandado dar uma escrava para a ter e dela se servir, havendo o principal a povoar-se a dita ilha. Como se vê, estava posta em marcha uma situação favorável à miscigenação racial e cultural que caracteriza até hoje a população dos são-tomenses. Aos primeiros habitantes do arquipélago foram concedidos vários privilégios como forma de incentivos, devido ao isolamento do território. Esses privilégios tinham que ver com a possibilidade de resgatar escravos na costa africana, facilidades de comércio com o continente, isenção de pagamento de dízimos, a possibilidade dos mulatos exercerem quaisquer ofícios como os brancos. Com medo de perderem o seu lugar de exclusividade na administração, tendo em conta que o número de mulatos tendia aumentar, os colonos brancos tentam escravizar os mulatos que, já compenetrados do seu papel e lugar na comunidade, acabam por protestar junto do rei Manuel I. Numa carta régia de 29 de Janeiro de 1515, tendo em conta os protestos dos mulatos, o rei decide que a descendência das escravas dadas aos colonos, bem como as mães eram livres e não podiam ser demandadas, elas, seus filhos e filhas, como cativos de El-rei, nem de pessoa alguma.

«Um dia a espuma dos mares,
ao ver em si meu amor,
foi dizer baixinho à praia:
 - A Vénus mudou de cor!»
Poema de Caetano Costa Alegre

Numa outra carta régia datada de 1517, o rei estendia aos escravos dos primeiros povoadores os benefícios que tinha concedido às escravas e aos seus descendentes, bem como aos escravos (e os filhos que tivessem tido) dados pela Fazenda Real aos primeiros povoadores. É deste modo que veremos nascer a classe da elite burguesa dos naturais do arquipélago, os ditos filhos da terra, e com ela o advento de querelas entre as diferentes facções que compunham a sociedade. A propósito dessas pendências Raimundo Cunha Matos diz: A intriga naquelas idades já vomitava a infernal peçonha que infeccionou os novos colonos e seus sucessores, tanto assim que repetiam queixas sobre queixas aos pés do real trono, acusando-se reciprocamente dos mais atrozes crimes. Eles não só se constituíam soberbos e intratáveis […] conservavam o seu harém.
As lutas de interesse envolviam o clero, os governadores, as autoridades e os grandes proprietários. Todos queriam governar, mas nenhum queria se submeter à condição de governado. Os filhos da terra viviam e comportavam-se como se fossem europeus, ou seja, assimilaram os hábitos dos europeus, desde os modos de se vestirem, a culinária, a habitação, etc., mas de maneira ajustada à realidade local, sublinhemos esse aspecto de afirmação diferenciadora (usavam vestuários ligeiros de algodão, porquanto o clima é tropical; as casas apesar de seguir o modelo português era feita de madeira). E uma tal prática estendia-se quer aos membros da elite crioula, quer aos grupos populares. No plano da linguagem, podemos salientar o surgimento dos crioulos, uma forma de veicular a comunicação entre os diferentes grupos que compunham a esfera mestiça, sucedendo que viria a pertencer ao forro tornar-se o crioulo veicular». In Instituto Camões, Repositório da Universidade de Lisboa, 2009.

Cortesia de ICamões/JDACT