Paio Peres Correia. Os freires de Leão… Os freires de Palmela
«Chegada a Portugal em 1172,
apenas dois anos depois da sua fundação em Cáceres, a Ordem
de Santiago, onde virá a militar Paio
Peres Correia, é imediatamente incumbida por Afonso Henriques da defesa do castelo de Monsanto, recentemente
abandonado pelos Templários, incapazes de fazer frente às incursões muçulmanas.
No ano seguinte recebe também o castelo de Abrantes, uma decisão que tinha,
entre outros, o objectivo de a afastar da fronteira leste, reflexo da desconfiança
com que era vista pelo rei a presença em território português de uma força
militar composta essencialmente por freires naturais do reino de Leão. Ainda
assim, recebem também, muito provavelmente antes de 1175, as praças-fortes de Almada e de Alcácer, situadas numa zona recentemente
conquistada e de enorme importância estratégica para a defesa de Lisboa. Esta
primeira vaga santiaguista teve, no entanto, uma duração efémera que culminou
em 1179 com a sua expulsão e com o
confisco das fortalezas que tutelavam em território português, uma decisão de
Afonso Henriques desencadeada em resposta ao apoio militar que haviam prestado
a Fernando II de Leão na guerra contra Portugal, em particular, na Batalha de Arganal, ferida no
Verão desse ano.
A implantação definitiva dos Espatários, como são igualmente designados
os freires da Ordem de Santiago da
Torre e Espada, em Portugal ocorre, pois, apenas no reinado de Sancho
I, altura em que regressam à Península de Setúbal. Recebem então do rei,
em 1186, o castelo de Palmela,
bem como uma nova doação de Alcácer e de Almada, desta feita em recompensa pelo
auxílio prestado em 1184 pelos Santiaguistas
leoneses por ocasião do cerco almóada
a Santarém. Contudo, também aí a presença da Ordem foi de curta duração, já que
a campanha de al-Mansur de 1191veio colocar novamente toda a
região a sul do Tejo, à excepção de Évora, sob a bandeira do Islão. Fortalezas de maior importância
estratégica, como Alcácer, foram mantidas e ocupadas por guarnições muçulmanas,
enquanto todas as outras cuja defesa não era possível assegurar acabaram, como
Almada e Palmela, por ser arrasadas.
No entanto, em data próxima de 1193-1194, estas duas últimas praças-fortes,
ou o que delas restava, estão já, de novo, na posse da Ordem que, em 1210, instala o seu convento em
Palmela, convertida assim numa autêntica lança apontada ameaçadoramente a Alcácer
que, em 1217, cai também em poder
das forças cristãs. Será essa a sua principal base de operações para uma ambiciosa
estratégia de expansão territorial ao longo do Alentejo e do Algarve, liderada,
a partir de 1232, por Paio Peres Correia.
Passos de gigante
Nascido durante a primeira década do século XIII, talvez ainda antes de
1210, Paio Peres Correia provinha de uma linhagem nobre de nível médio,
mas profundamente ligada aos meios cortesãos. Natural da zona de Braga,
provavelmente da região de Basto, onde a sua família tinha diversos bens
patrimoniais, era um dos sete ou oito filhos de Pedro Pais Correia e de D.
Dórdia Peres Aguiar. Tal como Paio Peres, também alguns dos seus irmãos virão a
assumir papéis de destaque, tanto em Portugal, como em Castela. João Peres
alcançará a dignidade de sub-alferes de Afonso III; Martim Peres e Soeiro Peres
desempenharão ambos o cargo de tenente de Aguiar da Pena em 1257; Paio Peres, de alcunha O Alvazarento, participará na conquista
de Sevilha, em 1248, tal como Gomes
Peres, que virá ainda a obter, em Castela, a tenência do castelo de Cieza.
Mas se, por um lado, as suas origens e enquadramento familiar se encontram
relativamente bem esclarecidos, por outro, nada se sabe acerca da forma como
passou os primeiros anos da sua vida, já que as fontes são totalmente omissas a
esse respeito. Com efeito, Paio Peres Correia
só começa a surgir documentado a partir do momento em que ingressa na Ordem
de Santiago. Praticamente silenciosas até 1232, as fontes não permitem perceber como, quando e em que
contexto se deu a entrada de Paio Peres
na Ordem de Santiago, embora a possibilidade de ter professado directamente no
convento de Alcácer, e não em Uclés, como chegou a ser sugerido por alguns
autores, seja a hipótese que nos parece fazer mais sentido em função da sua
naturalidade. Contudo, em virtude da dependência do ramo português da Ordem relativamente
à casa-mãe castelhano-leonesa, da qual só se autonomizará definitivamente em
inícios do século XIV, era comum assistir-se à transferência de freires de um
para o outro lado da fronteira, assim como era corrente serem incumbidos de missões
fora do seu reino de origem. E Paio
Peres Correia não foi uma excepção a esta regra. Com efeito, em Agosto de 1228, encontramo-lo em Lérida, por
altura dos acordos firmados entre o mestre Pedro Gonzalez, de cuja guarda
pessoal faria parte, e a condessa Aurembiaix de Urgel, findos os quais permanece
na Catalunha durante mais alguns meses, pelo menos até Outubro, na companhia do
rei Jaime I de Aragão. Porém, no ano seguinte regressa à fronteira sul, mas não
a Portugal, integrando-se nas campanhas leonesas de 1229 e de 1230, durante
as quais foram capturadas as praças-fortes de Cáceres, Badajoz e Mérida».
In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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