sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Prosa no 31. José Duro. Portalegre. «Quando a vejo, adornada co'a sua toilette cor-de-lilás que lhe põe relevo distintamente as formas divinais, fico-me a cismar horas e horas se foi mulher, anjo ou silfo aéreo, quem de modo tão sedutor impressionou a minha Fantasia de Poeta…»

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Ruínas (Paralelo)
«Ali naquelas ruínas onde predomina a plácida austeridade dum claustro a desoras; onde os silfos áugures se confundem numa mesma nota de tristeza; onde tudo infunde respeito, o sol entra quase que timidamente e os fios de luar escoam-se num religioso sorriso de monja em adoração... A madressilva em feixes mal unidos e a congossa em tapete desordenado, vegetam aqui e ali. As ervas pelas paredes em mortal decadência, onde se distinguem os vestígios das lutas com o tempo e com a seta, enroscam-se como serpentes enraivecidas, ao que resta duma passada fortaleza.
E de quando em vez uma pedra que cai, produz na queda um som triste e é nova angústia para aquele castelo que outrora se defendia defendendo a pátria, das hostes inimigas, nobremente, gloriosamente, tendo por égide a honra, por ceptro o valor. - Oh passado, passado! - Em cada uma de tuas páginas está indelevelmente traçada uma acção que a memória 1ê, um feito que a imaginação representa! Contigo repousam esses valorosos soldados em cujos seios robustos, seio d'aço e agitava a alma dum herói! E essa alma tinha por sonho constante o combate e a justiça!
E essa alma clamava com todas as suas forças: Pátria ou morte! E essa alma era forte, pura, e jamais se confessava vencida! Era o que parecia dizer aquele castelo na sua mudez, na sua materialidade. Porque ele tudo viu... E quantas lágrimas e sorrisos, e quantos gritos de prazer e dor, retumbaram em seus recantos... Mas hoje é um montão de ruínas. Como é poético ver o aspecto sombrio que as reveste, à hora em que o sol desmaia ao longe e se esconde após o último beijo de luz.

E, eu, ao vê-las surgiu-me em frente o implacável fantasma do passado, o trocista do presente, e senti a alma agitar-se pressurosamente em tétricas convulsões, como numa agonia desesperadíssima... É que a minha alma também está em ruínas...» In José Duro Júnior, Portalegre, 18-7-1894, Diário de Elvas, nº 319, 20-7-1894.


Túnica desmaiada (A minha vizinha)
«Sempre nos lábios aquele sorriso doce, muito doce duma magia infinita, feito de pedaços d'amor fugindo à ardência íntima que devora o âmago da alma: que recorda o sorriso de borboleta alequeando doidamente as asitas cetinosas, bordadas, à claridade da manhã... Sempre no olhar aquela meiguice de coração, a transparecer, a seduzir castamente em transportes de luz e poesia... Quando a vejo, adornada co'a sua toilette cor-de-lilás que lhe põe relevo distintamente as formas divinais, fico-me a cismar horas e horas se foi mulher, anjo ou silfo aéreo, quem de modo tão sedutor impressionou a minha Fantasia de Poeta... E, do deslumbramento que me invade, nascem mil devaneios, mil desejos...

Esvaiu-se o sonho no mar da Reflexão. Não for anjo que eu vi; d'há muito que eles fugiram da Terra, se é que cá os houve?! Silfo, também não; porque esses perderam com a Lenda o prestígio que embalava a antiguidade! Foi mulher sim! Mulher que deslumbra quando adornada co'a sua toilette cor-de-lilás, espécie de túnica desmaiada que lhe aperta as formas como a elegância requer e o bom tom exige... Foi mulher sim! E tanto mais que, agora me recordo, já lhe ouvi dizer: Eu alimento-me d'a dor...» In In José Duro Júnior, Portalegre, 28-7-1894, Diário de Elvas, nº 331, 3-8-1894.

Cortesia de Colibri/JDACT