segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Quatro Orações Camonianas. Academia Portuguesa da História. Aníbal Pinto Castro. «… Porém, logo o castigo que convinha o vingativo Amor me fez sentir, fazendo-me subir ao monte da aspereza que em vós vejo, co pesado penedo do desejo, que do cume do bem me vai cair…»

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Camões e a Língua Portuguesa
«(…) Na farta messe das Rimas, colho como que ao acaso, duas estrofes da canção A Instabilidade da Fortuna, para servirem de ilustração a essa capacidade:

De vontades alheias, que roubava,
e que enganosamente recolhia
em meu fingido peito, me mantinha.
De maneira o engano lhe fingia,
que despois que a meu mando as sojugava,
com amor as matava, que eu não tinha.
Porém, logo o castigo que convinha
o vingativo Amor me fez sentir,
fazendo-me subir
ao monte da aspereza que em vós vejo,
co pesado penedo do desejo,
que do cume do bem me vai cair;
torno a subi-lo ao desejado assento,
torna a cair-me; em balde, enfim, pelejo.
Não te espantes, Sísifo, deste alento,
que às costas o subi do sofrimento.

Destarte o sumo bem se me oferece
ao faminto desejo, porque sinta
a perda de perdê-lo mais penosa.
Como o avaro a quem o sonho pinta
achar tesouro grande, onde enriquece
e farta sua sede cobiçosa,
e, acordando, com fúria pressurosa
vai cavar o lugar onde sonhava,
mas tudo o que buscava
lhe converte em carvão a desventura;
ali sua cobiça mais se apura,
por lhe faltar aquilo que esperava:
destarte Amor me fez perder o siso.
Porque aqueles que estão na noite escura,
nunca sentirão tanto o triste abiso,
se ignorarem o bem do Paraíso.

É por demais evidente que um conhecimento tão vasto e profundo da língua materna só pode compreender-se quando construído sobre uma sólida preparação cultural. Assiste-se, nos nossos dias, à ressurreição de uma afanosa preocupação em proletarizar a figura de Camões. E nenhum mal daí viria ao mundo nem ao Poeta, se tal interpretação fosse rigorosa e não falseasse (?), justamente pela sua falta de rigor, a objectiva visão crítica da sua obra. Por esse caminho, (para mim, muito justo, jdact) aberto não há muitos anos por Aquilino Ribeiro, enveredou agora, com denodada mas leviana afoiteza, José Hermano Saraiva, (A Vida Ignorada de Camões, 1978, que me agradou…jdact) com uma romanesca biografia, na qual o soldado de Ceuta e da Índia surge culturalmente metamorfoseado num laborioso autodidacta que, por não ter podido frequentar Humanidades (?), se limitava a manusear um ou outro livro nos lazeres deixados pelo serviço prestado a soldo em casa dos condes de Linhares, e, mesmo assim, apenas quando a senhora condessa, nas ausências do marido, o não chamava ao feliz usufruto da sua intimidade, para exercer funções mais condizentes com a sedutora fogosidade juvenil dos seus 16 ou 17 anos!... O resto, em matéria de formação cultural, viria mais tarde, ao sabor de uma acidentada experiência, em nada compatível com o que se ensinava nas escolas e muito menos na Universidade (?)».In Aníbal Pinto Castro, Camões e a Língua Portuguesa, Quatro Orações Camonianas, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1980.

Cortesia da APHistória/JDACT