À esquerda o Painel do Infante da autoria dos alunos de EVT do 5.º ano,
2007/08; à direita o Painel do Infante, Painéis de São Vicente
Cortesia de midas
Modos de ver e de dar
a ver os Painéis de São Vicente
As variações e os Painéis
«(…)
A confrontação da obra com as suas variações será um epifenómeno da
reprodutibilidade da imagem que a fotografia permitiu quando surgiu no século
XIX, e que iniciou um caminho sem volta na relação das obras com as suas
reproduções, infinitas e imprevisíveis. Este fenómeno acaba por conferir à obra
de arte não uma desvalorização, mas, um estatuto de sacralidade: Se a imagem deixou de ser única e
exclusiva, ao objecto de arte, à coisa, nada mais resta que transformar-se em
objecto de mistério. Esta aura de que Berger fala é perfeitamente
enquadrável no espaço do cubo branco que encerra a obra, como que guardando uma
relíquia intemporal. Deste modo, o MNAA mantém os painéis na sala
branca que os exibe permanentemente, ao mesmo tempo que reproduz, no topo das
fachadas do Anexo, alguns dos
rostos das personagens quinhentistas. A sacralidade da obra resguardada na sua
célula convive com as reproduções dos rostos agigantados junto ao telhado,
circundando o perímetro das fachadas do Anexo.
O visual foi sempre importante nos museus e hoje em dia, numa sociedade onde
predomina a cultura do visual, a utilização dos meios audiovisuais, torna-se
atractiva num museu por ser familiar. Podem ser utilizados como complemento ao
objecto em exposição ou substitui-lo. Pode ser integrado ao longo de uma
exposição ou situar-se num local à parte. Permitem uma rápida actualização dos
conteúdos, dando liberdade ao visitante de aceder ou não à informação.
O
desenvolvimento dos meios informáticos e o surgimento da internet, assim como
as novas tendências museológicas, como a nova museologia, levou ao aumento do
uso do multimédia digital nos museus. O multimédia digital é o resultado da
combinação de vários media, texto,
fotografia, gráficos, vídeo, áudio e animação, onde a informação pode ser
representada, armazenada, transmitida e processada digitalmente, usando um
computador. No museu introduz novas formas de expor e de transmitir informação
e altera a relação dos visitantes com o museu ao permitir a interactividade. Ao
ser usado como complemento de uma exposição, facilita a transmissão da mensagem
e dá pontos de vista diferentes aos objectos em exposição. Reinventa e
populariza o museu tradicional repleto de objectos e textos, tornando a
informação mais acessível, numa sociedade cada vez mais pluralista.
É
neste contexto que a utilização da fotografia, como fonte documental pode ser
utilizada. Desde o seu surgimento no século XIX, que a fotografia faz
parte do nosso quotidiano. Ao reproduzir a realidade, adquire um carácter
documental e imparcial, embora a imagem capturada retrate as opções do
fotógrafo, as suas ideias, os seus modos de ver, assim como o que pretende
transmitir. Com as evoluções tecnológicas e ao ser possível alterar, manipular
as fotografias, o seu carácter documental pode ser posto em causa. A
memória liga o passado ao presente. A fotografia ao captar um momento
imortaliza-o e permite recordá-lo, transmite uma representação, uma imagem do
passado às novas gerações. Funciona como testemunho da verdade e justifica a história, servindo de suporte à memória.
As fotografias e desenhos que foram encontrados nos Arquivos e Biblioteca do MNAA,
permitem documentar visualmente a informação escrita recolhida, permitindo visualizar
os critérios expositivos de cada época, os diversos locais onde os painéis
estiveram expostos, dentro e fora do museu e a disposição dos painéis. A
realização de um filme utilizando essas fotografias e desenhos, permite
visualizar o percurso dos Painéis durante estes 100 anos
que se encontram em exposição. A sua integração no sítio do museu ou a
sua utilização no interior do museu junto dos Painéis pode complementar
a informação sobre estes, apresentando-os sob outra perspectiva, até agora
ainda não abordada.
A paisagem e os Painéis
A imagem deste retrato colectivo, ícone
atemporal da nação, pode virtualmente viajar pelo território português,
revelando a sua diversidade regional e sublinhando os fundamentos da cultura
portuguesa. A identidade nacional caracterizada pela diversidade regional
motiva a contextualização da imagem dos Painéis na paisagem, promovendo a descoberta
dos espaços rurais, e confirmando que nenhuma
coisa pode ser nacional se não é popular. A habitação de raiz popular e
rural foi abordada por inúmeros estudiosos, arquitectos, antropólogos,
geógrafos de variadas vertentes num processo em que era ela o factor de uma
certa uniformidade da cultura popular, para rapidamente se tornar num símbolo
de uma arquitectura mais funcionalista. Uma primeira geração de arquitectos do
século XX aborda-a num enquadramento de um nacionalismo unificador de um todo
nacional numa época em que curiosamente outros símbolos da identidade nacional reemergiam,
nomeadamente a ideia de uma pintura especificamente nacional, sendo os Painéis
de São Vicente o exemplo máximo desta singularidade. No entanto, uma
nova abordagem de cariz antropológico, talvez a mais interessante, irrompia. A da casa vista como um instrumento produtivo.
Como Ernesto Veiga Oliveira, e Jorge Dias destacam que o interessante era o modo
como ela funcionava no seio de um mundo específico, neste caso o mundo rural,
como se ligava aos modos de vida das famílias e da comunidade em que se
inseria. Mas também na sua paisagem». In. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia
Apolinário e Rui Reis Costa, Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São
Vicente, Varia, Museus e Estudos Interdisciplinares, Revista MIDAS, 2,
2013.
Cortesia de Midas/JDACT