Escritora, investigadora, ensaísta, crítica literária, professora
«(…) As escritas
preambulares tanto quanto sublinham sua localização no espaço da obra, declaram
cientificamente seu género: Introdução, Intróito, Prefácio. É referência
discursiva, pode ser ritual-litúrgica. Componentes de carácter afectivo e
científico formulam-se em estilo coloquial, dirigindo-se ao leitor. Assim, lê-se
intenção e agradecimento, acrescentados de justificativas que vão da escolha do
título do livro à fundamentação teórica. Na entrada dos Estudos de Literatura Portuguesa
e Africana, a escritora confessa a procura de designação-síntese para o
trabalho realizado. Sobreimpressões quer abranger o processo do discurso crítico,
em que se sobreimprimem intertextualidades, agindo em polifonia máxima, movimentando-se em direcção a noções que se
atraem até ao encaixe, aflorando o sentido. Para esse objectivo, transitam
retórica e interpretação, em demanda
que, sendo, sem dúvida, intelectual, é, sobretudo, uma extraordinária
experiência espiritual, mesmo religiosa. Maria Lúcia completa asseverando: Nada tenho a opor: sempre achei ser Deus a metáfora do sentido. Justifica-se
a relação anunciada, retórica, interpretação,
espírito, ao nome de Deus. A escrita preambular, além de entregar a base da
fundamentação teórica, considera o percurso de aquisição de conceitos, o trilho
que a ensaísta perseguiu para encontrar aquele conhecimento. Nesse item, o
traçado de uma biografia intelectual
esboça-se. E Maria Lúcia tem historietas
diferenciadas para ilustrar seu aprendizado e suas perquirições.
Em Autran Dourado, conta as
investidas em busca da estrutura da análise, a escrita-desescrita-reescrita, em
que parece difícil achar o início do fio
desse bordado. Até que se revela o
problema da cosmovisão mítica das vivências típicas do homo religiosus, servindo mito e rito para organização do desenvolvimento
da análise com Intróito e Canon a constituírem partes do texto. No propósito da
leitura mítica e análise sociológica, Maria
Lúcia pretende atingir, através do texto ficcional, a vida latente no
subtexto Histórico-cultural. Em Cardoso Pires, relata sua formação
eclética, com trânsito da sintaxe e morfologia do Latim a teorias e teóricos da
Literatura. Já docente da Universidade de Lisboa, Lepecki recebe da Faculdade de Letras a responsabilidade pela disciplina
Literatura e Mito - Tematologia Literária, campo de preferência, sabe-se. No
tocante ao livro, revela que, para chegar ao entendimento da obra do autor,
emprega árduo esforço. Era preciso
compreender o país, compreender melhor todas as escritas que na realidade
profundamente se enraízam.
Em Ideologia e Imaginário, a
ensaísta pretende uma perspectiva marxista para mostrar como uma opção
ideológica trabalha os dados do imaginário. E, tendo a impressão de
cinematografia em Cardoso Pires, Maria
Lúcia investiga se o cinema teria produzido uma revolução do imaginário de
tal ordem que qualquer forma do ficcional, pudesse contaminar-se do fingimento
fílmico. E vai à teorização da conaturalidade entre o discurso do filme e a
narrativa de Cardoso Pires. E, a confiar no julgamento do leitor, a
investigadora reitera a pertinência da
hipótese […] tão fascinante como lógica. Como se vê, sendo acto
presente, a introdução relata o acto passado da pesquisa e da elaboração, enquanto
é também acto judicativo, uma vez que avalia a matéria tratada, o leitor e
mesmo a ensaísta. Maria Lúcia,
referindo-se às suas tantas buscas e correcções, queixa-se de que o raciocínio rangia fragorosamente nas
dobradiças, para sublinhar mais tarde haver larguíssimas, dezenas de
páginas, a ranger novamente nas dobradiças. Forma de apresentação de
trabalho, Maria Lúcia desculpa-se: assumi o risco de piorar, com a emenda,
um soneto que já não seria grande coisa». In Beatriz Weigert, Evocação de Maria Lúcia Lepecki Revista Letras Com Vida,
Literatura, Cultura e Arte, nº 4, 2011,
CLEPUL, Gradiva.
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