História da vida e da morte de um Cavaleiro Andante
«(…) Esta é uma das
muitas bulas relativas à questão do infante de Serpa, todas publicadas
por Domingos Sousa Costa, Mestre Silvestre e Mestre Vicente, juristas da
contenda entre Afonso II e suas irmãs. Braga. 1963. Na verdade, o
testamento paterno estabelecia que os infantes só recebessem a sua respectiva parte
quando habeant roboram. Fernando atinge os 14 anos em 1232, ano da conquista de Serpa, exige
o que lhe é devido e é então que o seu irmão estabelece tal acordo: concede-lhe
o senhorio daquela terra a par de uma certa quantia em dinheiro, em troca da
renúncia àqueles bens.
Homem muito activo mas
com fraca capacidade de gestão, pouca atenção parece ter dado à sua terra.
Estabelecida aqui a sua residência, é provável que nos primeiros anos daqui
tenha partido com a sua mesnada em correrias contra os muçulmanos, podendo até
ter participado nas tomadas de Beja, Aljustrel e Alvito,
entre 1232-1234. É também verdade que mostra alguma preocupação em se
enquadrar nas redes de poder que se iam tecendo na região: em 1235 envia uma carta ao seu homónimo
Fernando, bispo de Évora, submetendo à sua jurisdição o castelhum meum de
Serpa, e declarando o mesmo bispo patri meo spirituali fidelis
filius, entregando-se à sua vassalidade. Mas a estabilidade que as
tarefas de gestão patrimonial exigiam, sobretudo numa região tão instável e
pobre como era a de fronteira, era avessa a um protagonismo político que desde
cedo começa a afirmar. Por volta dos anos de 1236-1237 já se encontra
envolvido em graves conflitos que ocorreram em algumas regiões do país, depois as
viagens a Roma e Castela, que são os percursos de um atribulado itinerário que
termina em deambulações e guerrilhas lá para as terras altas da Beira. Talvez,
e em parte como consequência de tudo isto, numa carta de 16 de Outubro de 1273 Afonso III ordenava ao alcaide,
juízes e tabelião de Évora que inquirissem sobre as presúrias que tinham sido
realizadas desque Serpa fora filhada a Mouros aca ordenando que,
a partir daquela data, passem a ser os sesmeiros indigitados pelo concelho a
organizar e controlar essas acções populares conducentes à repartição e amanho
das terras. Parece, portanto, que o infante, com outros objectivos em mente,
pouco cuidado pôs no ordenamento jurídico e administrativo daquele espaço que
era o seu, deixando-o à livre iniciativa dos presores. Perdeu, porém, a oportunidade
de criar um poderoso senhorio, enquanto espaço politicamente definido e
autónomo, tendo em conta a favorável posição geográfica em que se encontrava,
um enclave duplamente fronteiriço, com Castela e com o Islão, o que lhe
permitiria ter estabelecido pactos e alianças, o que lhe teria dado a
possibilidade de participar directamente na Reconquista e engrandecer-se com os réditos,
territoriais e móveis, que daí poderia ter usufruído. Tal como o senhorio que, mais
tarde, o infante Afonso, segundo filho de Afonso III, tentou criar na zona de
Portalegre, em 1271 (sobre as circunstâncias
da política portuguesa e peninsular subjacentes à formação deste senhorio, cf.
Bernardo Sá Nogueira, a constituição do
senhorio fronteiriço de Marvão, Portalegre e Arronches em 1271. Antecedentes regionais e significado político, in A cidade. Revista cultural de Portalegre,
nova série, Portalegre. 1991).
Mas as suas preocupações
eram, decerto, outras, os seus olhos de homem da guerra viravam-se para outros
horizontes. Horizontes políticos, não espaciais, pois na verdade a estratégica
posição de fronteira em que se encontrava proporcionava-lhe muito espaço de
actuação, se fosse essa a sua vontade. Ao mesmo tempo que limitava a sua ambição,
pois aí estava reduzido a pequeno senhor rodeado de outros maiores, quer fossem
os bispos das dioceses quer fossem mestres e comendatários das ordens militares
(limitado pela fronteira natural que era o próprio Guadiana, o infante teria as
suas possíveis pretensões de expansão controladas, a Norte pelos domínios da Ordem
de Avis e a sudoeste pela forte presença da Ordem de Santiago. Para Oriente defrontava-se
com o avanço reconquistador castelhano-leonês, e se de facto era seu desejo a participação
na guerra, era aí que teria maiores e mais fecundas oportunidades de o fazer). É
assim que, por sua própria iniciativa ou por alguém que o impele a isso, Fernando começa a intervir, de uma
forma especialmente brutal, na então conflituosa vida política do Reino». In
Armando Sousa Pereira, O Infante Fernando de Portugal, Senhor de Serpa
(1218-1246), História da vida e da morte de um Cavaleiro Andante, Estudo
apresentado em Setembro de 1997, Seminário “A nobreza medieval portuguesa:
parentesco, identidade e poder”, dirigido por Bernardo Vasconcelos Sousa,
revista Lusitânia Sacha, 2ª série, 10, 1998.
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