quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial. Gisela Medina Guevara. «Desde meados do século XIX, Portugal tinha contraído vultuosos empréstimos, devido à precariedade da sua situação financeira e económica. A dívida pública atingia, em 1898, valores exorbitantes que obrigavam o Governo português a recorrer a medidas extremas»

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Portugal e a nova relação de forças no Atlântico. Um plano estratégico naval conjunto, Portugal e Marrocos?
«(…) Tratava-se de advertir a Inglaterra que, de futuro, a Alemanha não deixaria que os seus interesses fossem menosprezados. É claro que nesta época, os alemães podiam utilizar sempre o meio de pressão de que, no caso de os seus pedidos não serem tidos em conta, apoiariam as repúblicas boers contra a Inglaterra, o que era muito receado do lado britânico. E após deixar claro o seu advertimento, Hatzfeldt aborda o que é realmente importante para os alemães, a obtenção de bases na costa atlântica, nomeadamente em Marrocos. Mas só recebe, de novo, uma resposta evasiva de Salisbury:

Quando eu finalmente fiz ainda uma tentativa para levar lord Salisbury a esclarecer confidencialmente quais os pontos da costa marroquina, excluída Tânger, a que a Inglaterra dava especial valor, ele respondeu-me que os seus conhecimentos de geografia a respeito daquela costa não eram suficientes para se pronunciar sobre isso hoje.

Se numa Espanha humilhada, que se virava agora para o Mediterrâneo a fim de sarar as suas sequelas da guerra, se recebia com agrado as ideias alemãs, já em Inglaterra o mesmo não se passava. O gabinete inglês estava muito dividido quanto a um acordo com a Alemanha sobre Marrocos, assim como sobre a nação moribunda, Portugal, segundo a terminologia de Salisbury. As duas questões, aparentemente separadas uma da outra, são curiosamente referidas muitas vezes pelos diplomatas alemães em conjunto, e ao longo dos anos. Tal levou-nos gradualmente a concluir tratar-se mais do que uma coincidência, pois tal poderia talvez significar que, na mente dos dirigentes alemães, as duas questões se incluiriam no mesmo plano de exercer uma influência na costa atlântica. Assim o acordo secreto anglo-alemão sobre a divisão das Colónias Portuguesas aparece com novas facetas.
Não sendo objectivo do nosso estudo a análise aprofundada deste acordo, parece-nos no entanto importante lembrar os seus traços principais e integrá-lo no contexto de grave crise económica e financeira portuguesa. Desde meados do século XIX, Portugal tinha contraído vultuosos empréstimos, devido à precariedade da sua situação financeira e económica. A dívida pública atingia, em 1898, valores exorbitantes que obrigavam o Governo português a recorrer a medidas extremas. Os principais credores estrangeiros eram ingleses, franceses e alemães. Iniciavam-se assim negociações difíceis com os credores externos, que iriam durar anos. O escolho principal era a relutância portuguesa em garantir os empréstimos externos com os rendimentos coloniais, pois tal significaria pôr em causa a integridade das colónias portuguesas, o que para a mentalidade portuguesa era impensável. Em meados de 1899, o Governo português prefere não efectuar alguns pagamentos aos credores externos do que tocar nas reservas do País e, em 1900, circulam boatos de que se o Governo não pagasse a dívida se concretizaria um acordo secreto entre a Inglaterra e a Alemanha sobre as colónias portuguesas.
Em Junho de 1898, o ministro plenipotenciário alemão em Lisboa, conde de Tattenbach, advertira Berlim que o marquês de Soveral, ministro de Portugal em Londres, se dirigia a Londres para pedir um vultuoso crédito. Este seria garantido pelos rendimentos das alfândegas das colónias portuguesas. A 14 de Junho de 1898, Hatzfeldt avisava lord Salisbury, que um crédito britânico directo a Portugal não seria bem visto em Berlim. Soveral pretendia o apoio inglês para a situação de colapso financeiro, mas parte do Governo português e a opinião pública, claramente anti-inglesa, reagiram de forma violenta a um empréstimo que punha em perigo as colónias.

NOTA: Luís Augusto Pinto, primeiro marquês de Soveral (1853-1922), fidalgo da casa real, conselheiro de Estado e do Ministério dos Negócios Estrangeiros, além de embaixador extraordinário. Aspirante de marinha, estudou depois ciências políticas, ingressando na carreira diplomática como adido à legação portuguesa em Madrid. Seguidamente esteve em Viena de Áustria (1877) e em Berlim, voltando para Espanha em 1881. Seguiu para Roma (1884) e por fim, em 1890, para Londres, como chefe da missão diplomática lusa. Na Grã-Bretanha assistiu à crise do Ultimatum, esforçando-se em melhorar as combalidas relações luso-britânicas. Foi promovido a 13. 1. 1891 a ministro plenipotenciário em Londres, onde ficou até 1910, com excepção dos anos de 1895-1897, em que exerceu o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. Tornou-se entretanto amigo do príncipe de Gales, o futuro Eduardo VII, sendo o único diplomata que usufruía da intimidade da família real inglesa. Tinha a alcunha de macaco azul (blue monkey). Em 1898, recebeu o pariato e o título de marquês. Em 1922 morre em Paris.

Este pedido de empréstimo foi encarado, em Berlim, como uma oportunidade para protestar contra um acordo unilateral luso-inglês sobre um empréstimo a fim de propor, como alternativa, um crédito conjunto anglo-alemão a Portugal. A 30 de Agosto, era assinado o Acordo secreto Anglo-Alemão sobre a divisão das Colónias Portuguesas e, em Setembro de 1898, os ministros alemão e inglês, separadamente, informavam o Governo português que tinha sido assinado um Convénio entre os dois países para dar um crédito conjunto a Portugal. Segundo o Acordo secreto, estipulava-se que, se Portugal não conseguisse cumprir as condições do empréstimo, as colónias portuguesas seriam divididas entre a Alemanha e a Inglaterra. Nas negociações anglo-alemãs, Hatzfeldt pedia para compensação do controlo inglês de Delagoabay, Walfishbay, a boa baía da colónia do sudoeste alemã, em mãos do Cabo, Samoa, e Timor. Era prioritário para os Alemães a aquisição de bases navais que fornecessem carvão, os fulcra marítimos, como lhes chamava o imperador, e para obtê-las, era estratégia da política alemã provocar dificuldades aos britânicos, sem no entanto pôr em causa as posições vitais inglesas, a fim de obter compensações. Assim, na questão vital do Transvaal, o arguto Hatzfeldt aconselhava o seu governo a não intervir mas, antes, em chegar a um acordo com os ingleses com base em compensações. Esta política repetir-se-á ao longo dos anos seguintes». In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.

Cortesia Colibri/JDACT