Estâncias
[…]
Estrelas com odores fortes e humanos.
Estrelas sensíveis
que se cheiram.
Ó céu pagão
alma encarnada de terra
com uma natureza luxuriante e carnívora.
O céu não é o céu.
O que de lá vem
é um cheiro violento a húmus e suor.
Nas entranhas da noite
o céu tem o odor da terra húmida e fresca.
As estrelas libertam um cheiro intenso a flor.
Vejo no céu formas vivas e primitivas
que cheiram a estábulo.
Há uma Primavera no céu
com flores carregadas de pólen.
O céu é sensível
ainda que feito de luz.
O céu é uma árvore
carregada de sementes.
É uma alma de carne que cheira a terra.
É um céu de formas geométricas.
Luz coalhada em sangue
nos raios das estrelas.
Luz desfazendo-se em aroma de terra.
Luz coagulando em vibração de cor.
O céu é uma terra sem pele.
A sua opacidade é transparente.
O céu não existe.
O céu é um chão
onde florescem as pétalas dos astros.
Terra da minha saudade.
Terra que piso em desejo.
Barro húmido
escorrendo veios de azul.
Argila celeste
desfazendo-se no livor dos charcos.
Paraíso de sombra e frescura
coalhando em folhas verdes
a luz das estrelas.
Éden pagão e tropical
desenvolvendo na sua turfa
luxuriantes árvores de carne.
Céu geográfico
com uma palavra inteira
de barro e húmus.
Parte do poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas’
In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi
edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN
972-8632-64-9.
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