A Embaixada de Londres
«Da existência de Sebastião José de Carvalho, no
período antecedente à sua carreira política, quase tudo se ignora. Conhece-se a
data do seu nascimento, 13 de Maio de 1699, em Lisboa; e a sua progénie, estirpe em que as pretensões de
nobreza foram mais ambiciosas que fundadas. Fiquemos em que era família de fidalgotes de mediana fortuna. O
pai, Manuel de Carvalho e Ataíde, que já possuía o morgado da Rua Formosa,
servira nas armadas da costa e fora capitão de cavalos; a mãe, que vinha dos
morgados de Souto de el-rei, casou em segundas núpcias com um magistrado da Casa
de Suplicação. Sabe-se que fez o curso de leis em Coimbra e passou parte da
mocidade na província, absorvido em pleitos para desembaraçar o património
comprometido. A versão, segundo a qual foi algum tempo soldado, carece de
abono. Aos 32 anos desposou uma senhora da casa dos condes de Arcos, D. Teresa
de Noronha, que , sendo viúva, raptou, não conseguindo ela jamais congraçar-se
com a família, que teve por desdouro a aliança.
A um tio, Paulo de Carvalho, que foi lente da Universidade e depois
arcipreste da Patriarcal, deveu o futuro ministro os princípios da grande casa
que veio a possuir. Dele herdou, em 1737,
o morgado constituído por bens em Oeiras e Sintra, prédios de renda em Lisboa e
dinheiro acima de 504 mil cruzados. Foi provavelmente esse tio que também lhe
preparou a fortuna política, proporcionando-lhe relações com o cardeal João da Mota,
primeiro-ministro, que o nomeou para a enviatura de Londres um ano depois que o
seu desvelado protector era morto. Carvalho, que ali chegou em Outubro
de 1738, encontrou lá Marco António
Azevedo Coutinho, parente seu também, a quem sucedia, chamado a substituir
António Guedes Pereira, falecido, na Secretaria de Negócios Estrangeiros e da
Guerra. Deste modo, aos 39 anos de idade, tarde talvez de mais para os
seus méritos e ambições, encetava a vida pública e dava o primeiro passo a
caminho da fama e da grandeza. Sua mulher ficara em Lisboa, recolhida por
autorização régia ao mosteiro de Santos. Não parece ter sido penosa a separação
a Carvalho, como lho não foi também depois a viuvez, da qual se consolou em
segundo consórcio passados poucos meses do falecimento de D. Teresa. A paixão
romântica, que dera azo ao escândalo do rapto, devia ter arrefecido em sete
anos de união estéril.
O novo diplomata não assumiu imediatamente a gestão da embaixada. Marco
António demorou-se até Junho do ano imediato tanto pelo interesse da política,
podemos supor, como por afeição ao sobrinho, cujo início guiava na carreira,
para que nenhum tirocínio antecedente o tinha adestrado. Oito anos mais tarde, Carvalho,
rememora em termos gratos o tempo de aprendizagem: alumiado pelos exemplos e pelas instruções de V. Ex.ª, fiz o meu
noviciado, e prossegui depois dele o meu ministério em Londres, assim
se exprime. A tarefa do mentor não foi porém de certo trabalhosa. O vezeiro
expediente da embaixada, o maneio das negociações em curso, as novidades
particulares da corte de Londres, nada ofereciam que a agudeza do recém-chegado
não pudesse, no primeiro instante, apreender. Não foi ele, portanto, devemos
crê-lo, bisonho praticante, senão atilado e eficiente auxiliar.
Seu espírito, sequioso de novas ideias, depressa se afez ao diverso
ambiente que, para ele, saído do obscurantismo e da rotina peninsular, era a
sociedade culta, inteligente, progressiva e liberal, onde agora se encontrava. Não
assimilou, é certo, os princípios de tolerância, de respeito pelos direitos
individuais, que já ali eram comuns. Mas pode dizer-se que o seu entendimento
se remodelou ao contacto das ideias correntes; que os olhos se lhe abriram para
mais largos horizontes; que foi este o período da sua existência mais
fecundo para a formação da sua individualidade de estadista. Parecerá isto
desarrazoado a quem souber que, nos seis anos passados em Londres, não logrou Carvalho
familizar-se com o idioma do país. Ele próprio o confessou, tendo de recorrer a
estranho auxílio para entender as cartas inglesas, publicadas acerca da sua
administração logo depois desta terminada. Menor será contudo a estranheza, se
nos lembrarmos que o francês era então a língua da diplomacia e das cortes, e
que, para as suas observações pessoais, assistência às sessões do Partamento,
leituras, conversações e necessidades correntes da vida, o ministro se socorria
de intérpretes, segundo o uso constante das embaixadas.
A época desta enviatura foi uma das mais agitadas na história política da
Europa. Desde 1738, Inglaterra e
Espanha estavam em guerra. O poder da marinha britânica dirigia-se
principalmente contra os domínios desta nação na América, parecendo que era
intenção daquela apossar-se de Buenos Aires e estabelecer-se definitivamente
nas margens do rio da Prata. Esta conjectura causava apreensões em Portugal
que, possuindo a colónia do Sacramento,
e considerando sua fronteira aquele rio, com justa razão se arreceava de ter
por vizinhos a gente trêfega, ambiciosa e arrogante da Inglaterra». In J.
Lúcio de Azevedo, O marquês de Pombal e a sua Época, Clássica Editora, Lisboa,
1990, ISBN 978-972-561-189-6.
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