segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI. Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez. «Falava o livro do imaginado desvanecimento da plebe em semelhantes occasiões de contentamento e alegria. Que podiam os povos fazer senão terem contentamento e alegria em semelhantes ocasiões?»


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Reddit Quod Recipit. Imagens das Festas de Casamento de Afonso VI
«Entre Agosto e finais de Outubro de 1666 realizaram-se as comemorações do casamento de Afonso VI, rei de Portugal, e D. Maria Francisca Isabel de Sabóia, princesa d'Aumale e afilhada de Luís XIV de França. Vários momentos pontuaram os três meses que decorreram entre o desembarque da rainha em Belém e as chuvas de Novembro que obrigaram a desmontar os palanques de madeira construídos sob o Paço da Ribeira, palco de touros, canas, fogos. Havia o perigo de apodrecerem, tantas eram as chuvas. Logo o desembarque fora um momento grandioso, com os milhares de flâmulas coloridas que tornavam o rio um mar de cores, e o povo de Lisboa que esvaziara a cidade para inundar as margens do Tejo com gáudio e vivacidade.
Mais tarde, as canas, os touros e os fogos tinham tornado Outubro um verdadeiro Verão. Os povos viram tourear os fidalgos mais garbosos acompanhados por lacaios que encantavam em trajes surpreendentes. E as canas haviam sido um espectáculo grandioso, com as suas quadrilhas multicolores, imitando os torneios medievais, quando os cavaleiros lutavam pelo amor de uma bela dama. Bem... e ainda os fogos! Quem não gostava dos fogos? E desta vez, máquinas estranhas tinham sido construídas: uma delas parecia uma pirâmide, com uma senhora em cima. A senhora parecia a bela rainha, mas também podia ser a mãe de Cristo Senhor. Uma outra imitava um homem muito forte com uma bola azul entre os braços alevantados, as gentes diziam que tinha sido um herói dos tempos idos. Que ele era forte, assim parecia. E muito feio, também. Mas o que era mesmo belo eram as estrelas que caíam dos céus e pareciam abençoar os reis mais os seus povos. Envolvendo tudo numa atmosfera paradisíaca. Razão tinha o autor da Anti-Catastrophe, um livro que tinha sido escrito sobre esse rei Afonso que, de alegre e folião, tinha passado a ser triste e prisioneiro, pouco tempo depois das tais festas. [O que lembrava, aliás, como as coisas no mundo são efémeras.]

Falava o livro do imaginado desvanecimento da plebe em semelhantes occasiões de contentamento e alegria. Que podiam os povos fazer senão terem contentamento e alegria em semelhantes ocasiões? Nos vinte e seis anos de guerra lembravam-se apenas de constantes e porfiados esforços, dos filhos que partiam e não regressavam, das noivas por casar, das bocas por alimentar. Tanta ostentação e riqueza pareciam anunciar melhores dias, podiam bem pensar... Não admira o frenesim quando da preparação da festa, até porque os espectáculos teatrais que desde finais do século XVI vinham animando Lisboa estavam a tornar-se menos frequentes e menos atractivos. O outrora buliçoso Pário das Arcas definhava pouco a pouco, e a própria fidalguia, que no início havia aderido entusiasticamente aos divertimentos do teatro de comédia, começava a desinteressar-se por tais eventos, onde acorria gente de toda a proveniência social, onde os tumultos e os confrontos físicos eram frequentes (coisas que cada vez menos eram próprias de nobres), e onde nem sequer era possível conviver directamente com as damas, já que estas ficavam encerradas num espaço especialmente reservado para elas existente no recinto do pátio». In Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim, Fernando Bouza Álvarez, Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI, Quetzal Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-564-268-6.

Cortesia de Quetzal/JDACT