sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O Príncipe Constante. Pedro Calderón de la Barca. O Infante Santo. Maria Idalina Rodrigues. «Sempre atento a glórias e a desditas, o grande teatro espanhol do “Siglo de Oro” não perdia de vista o dramatismo intrínseco de certos troços históricos da vida portuguesa, tanto mais que, levando-os para a cena»

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Com Camões na encruzilhada
«(…) Assim rezava, pois, esta crónica portuguesa.
Cinco anos volvidos, chegamos a 1628 e à publicação do Epítome de las Historias Portuguesas da autoria de Faria Sousa, onde uma vez mais nos deparamos com um prisioneiro que adere à decisão sobre a recusa de uma praça cristã, com um Fernando cargado de hierros, moço de cavallos, com um príncipe que vino a morir (…) en las afrentas y miserias de una esclavitud rigurosa, com um cristão com direito a premio imortal de la bienaventurança», cujo corpo ficaria colgado de una almena e, só muito tempo depois, por dos mugeres suyas i dos hijos, o cederia o rei de Fez a AfonsoV.
Se até aqui pouco aprendemos, conhecendo anteriores escritos, convém, no entanto, anotar, para futuros confrontos, que o historiador cita, como companheiro de Afonso, um João Coutinho, retrata (em termos antecipadamente calderonianos?), tanto a cidade de Tânger como as fases principais da expedição e a constituição da armada portuguesa, tendo bem claro deixado não só a existência de duas correntes na corte portuguesa, no que à partida para África dizia respeito, como também que eram Henrique e Fernando os principais impulsionadores da ideia de grande fama vir a granjear-se com a conquista.
Fama que, afinal, ao Infante Santo apenas viria por tão pacientemente, e sem discordância, se ter adaptado às más notícias chegadas de Lisboa. Retomemos um excerto e façamos o nosso posterior juízo: [nas cortes] siguiose el voto de que por el no se diesse aquella plaça:este era tambien el propio suyo, este el de su hermano don Enrique que le avia acompañado. En llanto pagó nuestro Reino aora a la fortuna todos sus regalos, todos sus triunfos.
E que fique o alerta, embora sem o conselho para precipitadas conclusões: El Príncipe Constante é apenas um ano posterior ao Epítome de Faria Sousa, português de nascimento, mas com lugar reservado na corte de Madrid.

O passo ao teatro
Com Camões entrámos no texto literário e, desde Camões, que dele nos afastámos, apesar da menção honrosa concedida a frei Luís de Sousa e de outros escritores, como, por exemplo, frei João Álvares, também, por alguns excertos, literariamente se candidatarem a um discreto louvor. Resta-nos o dever de um curto, mas absolutamente indispensável, percurso pela ficção teatral, ou para, desde já, sermos mais rigorosos, por uma obra atribuída a Lope de Vega que ao  infante Fernando toma como principal personagem, La Fortuna Adversa del Infante D. Fernando de Portugal, e por uma outra, da autoria de Vélez Guevara que lhe deu o título de Comedia Famosa del Rey Don Sebastián (o rei Sebastião I também morto em África).

NOTA: Pela fragilidade que apresenta, a obra não parece realmente ter como autor Lope de Vega, antes outro dramaturgo do seu ciclo. Esta Comedia Famosa de la Fortuna Adversa del Infante don Fernando de Portugal foi publicada por Sloman. Da Comedia Famosa del Rey Don Sebastián, de Vélez de Guevara, existe edição de Werner Herzog, Madrid, Anejos del Boletín de la Real Academia Española, 1972. Algumas referências encontrei, em edições soltas de El Príncipe Constante, a uma obra do mesmo dramaturgo intitulada La Fortuna Adversa del Infante Don Alfonso de Portugal, como possível antecessora da obra de Calderón.

Demos, então, a voz ao primeiro texto, aliás, muito mais importante do que o outro na perspectiva que vimos adoptando. Estávamos em 1595, a biografia de Román poderia até ter sido redigida um pouco antes, Portugal e Espanha viviam, há quinze anos, um regime de monarquia dual, alguns temas e mitos lusitanos, embora não desconhecidos antes, haviam, pouco a pouco, conquistado o favor hispânico, sobretudo se decorrentes de afrontas de inimigos comuns. Sempre atento a glórias e a desditas, o grande teatro espanhol do Siglo de Oro não perdia de vista o dramatismo intrínseco de certos troços históricos da vida portuguesa, tanto mais que, levando-os para a cena, aliava à divulgação de uma matéria, em si mesma aliciante para um vasto público (dos dois lados da fronteira, note-se), a publicitação da simpatia da corte dos Áustrias pelas causas de um povo que nunca completamente se resignara a não ser independente (a partir de José Maria Viqueira, muitos têm sido os estudiosos a ocupar-se da matéria portuguesa em textos do teatro espanhol do siglo de oro; não há ainda, no entanto, uma bibliografia completa)».

In Maria Idalina Rodrigues, Do Muito Vertuoso Senhor Ifante Dom Fernando a El Príncipe Constante, Via Spiritus 10, 2003.

Cortesia de Via Spiritus/JDACT