«… tudo era novo, tudo era belo;
os olhos não se lhe fixavam em coisa alguma mais de um segundo». In
Andrade Corvo
Amor Parat Regna. Memória
visual dos afectos na política barroca
«Como se tivessem retido algo da luminosa suavidade do fogo, o mais
belo dos elementos pela leveza da sua matéria, subtilmente agitada, as duas
cenas de pirotecnia que figuram no álbum das
Festas que se fìzerão pelo Cazamento del Rey D. Âffonso VI, em 1666 parecem sintetizar o espírito
desses grandes espectáculos visuais nos quais as grandes cortes do Barroco
procuravam ver-se a si mesmas, reconhecendo-se, ordenadas e brilhantes, numa
ardente agitação. E tal como acontece nos artificiosos fogos de festas, também
os grandes espectáculos de corte se esgotavam em si mesmos, no regozijo perante
uma realidade que, com toda a ordem e previsão, tinha sido planeada como
faustosa mas efémera.
É sabido que os arcos, máquinas, estrados, palanques e demais invenções
que marcavam o percurso desta e de outras muitas apoteoses monárquicas da
Europa seiscentista tinham sido fabricadas para não durar muito tempo. A sua
frágil arquitectura de madeira era tão provisória como os papelões pintados que
cobriam as suas superfícies e sobre os quais, muitas vezes com mais do que
audácia na cor, haviam sido traçados complexos emblemas que falavam de amor,
concórdia, paz, liberalidade ou harmonia.
Durante muito tempo, estes fastos foram considerados pouco mais do que
devaneios decorativos nascidos da imaginação delirante e fátua própria da
época, quando não eram condenados como lamentáveis exemplos da decadência insuportável
em que haviam caído as monarquias da Idade Clássica. Pompa insolente e luxo
asiático são os duros termos que lhes reserva, por exemplo, Madame Roland
nas suas Mémoires.
Actualmente, estes grandes espectáculos cortesãos, como a etiqueta ou o
cerimonial palaciano e os diversos rituais monárquicos, são estudados como
expressões de uma particular cultura política de cujas insofismáveis
implicações constitucionais não parece haver dúvidas. No entanto, apesar de já,
estarem longe os tempos em que tais eventos eram encarados como meras pompas insolentes, ainda hoje pode parecer
estranho que a suposta expressão dos valores constitutivos de uma sociedade
política fosse confiada a espectáculos de frágeis arquitecturas, papelões pintados
e fogos de artifício. Que comunidade recorreria, em suma, a um meio tão pouco duradouro como este para proclamar a celebração
que de si mesma fazia?
Encontrar uma resposta adequada para esta pergunta implica saber
responder a ouras três questões prévias: primeiro,
a do papel das festas e dos espectáculos na declaração da relação que existia
entre um rei e o seu reino; em segundo
lugar, a do novo sentido que o efémero visual acabou por adquirir ao longo da
Idade Moderna; e por último, a
da sábia rentabilidade propagandística que se obteve das imagens postas ao
serviço do poder real.
Em cena. A majestade como gesto e o rei como actor
Depois de haver visitado a corte romana, tal como indicavam os cânones
desse tour meridional que devia
realizar todo e qualquer jovem filho da nobreza, Leopold von Weissenburg
deslocou-se a Viena, uma corte que não era menos faustosa que a dos pontífices
nos tempos do imperador Leopoldo I. Numa das suas cartas ao cardeal Savo
Millini, em Dezembro de 1697, o viajante dá conta das suas actidades,
entre as quais se destaca a assistência aos espectáculos da corte imperial.
Ao terminar o século XVII já não era extraordinário ver dançar em Viena
um futuro imperador, tal como também não o fora constatar que o rei cristianíssimo
de França tomava parte no carrousel
de um torneio em Paris, que o monarca católico de Espanha saía mascarado num domingo
de Carnaval em Madrid, ou que os diplomatas acreditados na corte londrina
pugnavam para ver actuar o rei Carlos I de Inglaterra em mascaradas e noutros
acontecimentos teatrais». In Ângela Barreto Xavier, Pedro Cardim,
Fernando Bouza Álvarez, Festas que se fizeram pelo Casamento do rei Afonso VI, Quetzal
Editores, Lisboa, 1996, ISBN 972-564-268-6.
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