Marânus. Marânus
e Eleonor
[…]
E Marânus, na louca tentação
que eleva as nossas almas para o céu,
ansioso e desolado, exclama ainda:
Ai de ti! Ai de mim! Tu és a dor!
Eu sou também a dor! E qual a chama
que outra chama extermina? Eu quero amar
o que é eterno e vivo e que não ama!
As meigas ovelhinhas, com surpresa,
olhavam a Pastora. A sua trança,
desprendida, flutua; é luz acesa
a direcção do zéfiro indicando.
III
Vinda no brando zéfiro tremente,
uma nuvem o sol escureceu.
E Eleonor, essa Deusa, novamente,
diante de Marânus aparece.
Um crepúsculo terno diluía
a nitidez cortante das arestas.
E no cinzento azul quase se ouvia
brumoso som de arrefecidas lágrimas.
Era a sagrada luz, naquele instante
em que se torna sombra; e, sem deixar
de alumiar os campos, já permite
o nascer das estrelas e o cantar
dos pássaros sedentos de penumbra.
Era o sol, comovido, e extasiado,
no seio duma nuvem, radiando
com um fulgor anímico e velado.
E Eleonor, tão alta e inacessível,
no seu divino encanto e formosura,
emanava outra luz espiritual,
que as pedras embebia de ternura...
E Marânus olhava para aquela
aparição! Sonho encarnado! Amor!
Alma tão evidente que era corpo,
perfume tão intenso que era flor!
E a voz de Eleonor, etérea chama,
as trevas dissolvendo, assim falou:
Sou aquela que é amada e que não ama,
porque meu ser é eterno e virginal.
Eu vivo além do amor e da tristeza,
e destes belos montes solitários,
e da amplidão que envolve a Natureza:
o fluido mar, onde as estrelas nadam...
Serras doiradas, cristalinas fontes,
ondas, campos, manhãs, tudo o que abrange
a curva, em roxa cor, dos horizontes,
é para mim a Sombra originária;
sombra de mãe, remota e dolorida,
que ainda me traz ao peito e acaricia...
Morte de que descende a minha vida,
como da noite morta a luz dos astros.
[…]
In Teixeira de Pascoaes, Marânus, Prefácio de Eduardo Lourenço, Assírio
& Alvim, Lisboa, 1990, ISBN 972-37-0261-4.
MLCT
Cortesia de Assírio & Alvim/JDACT