segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O Complexo de Culpa do Ocidente. Pascal Bruckner. «Quarenta anos depois, a mesma ideia é formulada prosaicamente como se de um dado irrefutável e oficial se tratasse: congratulando-se por ver que em toda a parte cresce a oposição à influência europeia…»

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Os Propagandistas do Estigma
O irremediável e o desânimo
«(…) Vive agora o momento da vingança das cruzadas, (sic) e quer disseminar as suas paixões desenfreadas. É a culpada de todas as monstruosidades em Africa, na Ásia ou no Médio Oriente: O Terceiro Mundo é o produto final das paixões provocadas pelo jogo desregrado da concorrência descontrolada. Na origem dos inúmeros e absurdos massacres no Terceiro Mundo, que semeiam o pânico nas choças e confirmam a convicção da barbárie do Outro, estão as frustrações criadas pelo Ocidente. Os exemplos são incontáveis: do pacífico Camboja mergulhado num genocídio inaudito na sequência da intervenção americana até ao Irão privado da sua revolução burguesa de Mossadegh por uma intervenção anglo-americana, passando pelo terrorismo cego dos raptos, usurpações e tomada de reféns em nome do pesadelo do Médio Oriente?
O extermínio está no cerne do pensamento europeu, e o seu imperialismo é um processo biologicamente necessário que, segundo as leis da natureza, conduz à inevitável eliminação das raças inferiores. Se o Ocidente produziu apenas computadores à custa de pessoas que morriam de fome e sofriam de carências, a conclusão impõe-se; devemos resistir por todos os meios ao seu poder desagregador.

A ideologia vacila
A Europa dividida: o anti-ocidentalismo, sabemo-lo, é uma tradição europeia que vai de Montaigne a Sarte e induz o relativismo e a dúvida nas consciências tranquilas e cientes dos seus direitos. Nesse tempo, ere necessária uma certa audácia para, tal como Las Casas, denunciar a barbárie dos Conquistadores ou a missão civilizadora das grandes potências na época dos impérios. Actualmente, para atacar a Europa, basta apenas um certo seguidismo. Assim, em 1925, em plena guerra do Rif, em Marrocos, conduzida pelas tribos rebeldes de Abd el-Krim contra as tropas francesas e espanholas, Louis Aragon, então com vinte e oito anos, pronuncia em Madrid, perante uma plateia de estudantes, uma conferência impetuosa e tão inflamada como insensata: Teremos sempre razão. E à primeira arruinaremos esta civilização que vos é querida, onde vós estais presos como fósseis no xisto. Mundo ocidental, estás condenado à morte. Somos os derrotistas da Europa... Que o Oriente, o vosso terror, responda por fim à vossa palavra. Em toda a parte faremos frutificar as sementes do caos e do descontentamento. Somos os agitadores do espírito. Todas as barricadas são úteis. Todos os entraves à felicidade são malditos. Judeus, saí dos guetos. Que se mate o povo à fome para que ele sinta por fim o gosto do pão e da cólera, Subleva-te, Índia dos mil braços, grande Brama lendário. Egipto, é a tua vez! E que os traficantes de droga arremetam contra os nossos países aterrorizados... Subleva-te, povo! Vede como esta terra está seca e é propícia a fogos. Dir-se-ia palha. Riam à vontade. Daremos sempre a mão ao inimigo…
Quarenta anos depois, a mesma ideia é formulada prosaicamente como se de um dado irrefutável e oficial se tratasse: congratulando-se por ver que em toda a parte cresce a oposição à influência europeia, o economista e filósofo Serge Latouche afirma que a morte do Ocidente não será necessariamente o fim do mundo. Será, ao invés, a condição para a manifestação de novos mundos, para uma nova civilização, para uma nova era. Entretanto e contestação degenerou em automatismo, o regozijo destruidor enredou-se na linguagem do frio burocrata.
É impossível e este respeito não ter um estranho sentimento de déjà vu, como se os lemas repisados dos anos 60 nos assombrassem de novo. Seria desconhecer um ponto fundamental: tal como a ideia comunista se torna novamente sedutora à medida que a recordação da ex-URSS se esfuma, o terceiro mundo floresce de novo sobre o esquecimento do maoísmo, dos khmers vermelhos, das guerrilhas sul-americanas. É realmente a falência destas utopias concretas que explica o ressurgimento da doutrina, repentinamente desligada da experiência. As ideologias nunca morrem. Metamorfoseiam-se e renascem com uma nova aparência quando as julgávamos enterradas para sempre: ao invés de ser um elemento de dissuasão, o fracasso reaviva o arrebatamento. Ao rosto consternado do colonizado sucedeu o rosto sofredor do descolonizado que, há quatro décadas, coleciona desilusões e fiascos: o Grande Timoneiro e os setenta milhões de mortos sob o seu regime, os massacres de Pol Pot, a repressão vietnamita e o êxodo dos boat people, a ditadura de Saddam Hussein, a loucura obscurantista dos mollahs no Irão,o fascismo cubano, a guerra civil argelina, sem ter em conta a corrupção, o empobrecimento, a fraude e o nepotismo». In Pascal Bruckner, La Tyrannie de la Pénitence, Essai sur le Masochisme Occidental, Editions Grasset Fasquelle, 2006, O Complexo de Culpa do Ocidente. Publicações Europa-América, 2008, ISBN 978-972-1-05943-6.

Cortesia de PEA/JDACT