A Divisão da História de Portugal em períodos
«Em 1864 publica-se um Novo epítome da História de Portugal,
que é adoptado pelo Conselho Geral da Instrução Pública para uso das escolas. É
seu autor António José Viale, do Conselho Real, sócio da Academia das Ciências,
professor do Curso Superior de Letras e conservador da Biblioteca Nacional.
Este compêndio abre assim: A história de
Portugal pode dividir-se em cinco períodos. E enumera-os: o 1.º, anterior à existência de Portugal
como estado independente; o 2.º
compreende a 1.ª dinastia, desde 1095 a 1385; no 3.º ocupa o trono a dinastia de Aviz, e vai de 1385 a 1580; o 4.º é o da usurpação filipina; o 5.º, desde 1640, é o da casa de Bragança.
Entre outros, cita Herculano, nas notas de fim de
volume. Ora, nas Cartas sobre a História
de Portugal, em 1842, Herculano
sublinhara já que a folhinha de algibeira dividia o catálogo dos reis em quatro
dinastias, e que assim resume e
representa o estado da ciência histórica do nosso país (carta IV). Num
Compêndio historico do reino de Portugal
do final do século XVIII não se utiliza a divisão em dinastias, mas, desde que
se entra realmente na matéria, os cortes seguem a sucessão dos reinados. O
programa de História para o ensino primário elementar, de 1929, embora não destaque a divisão em reinados, pode dizer-se que periodiza
consoante a série cronológica dos reis
de cada dinastia. É claro que tal programa, nas mãos de alguém com sentido
didáctico e a par de grandes colecções históricas estrangeiras, corno foi Chagas
Franco; permite relegar para fim de volume essas séries e dividir a matéria
na seguinte disposição: 1) Origens
da nacionalidade; 2) Alargamento do
território; 3) Organização do País; 4) Expansão além-mar; 5) Esplendor e decadência; 6) Domínio dos Filipes; 7) Restauração e consolidação da
independência; 8) Engrandecimento do
poder real; 9) As ideias liberais e
a monarquia constitucional.
Mas a trama tradicional tende a prevalecer noutras realizações, e como não
tenderia, se uma das duas grandes Histórias de Portugal, a de Fortunato
Almeida, à série cronológica dos
reis adapta a sua tessitura? O tomo I vai até 1383, é a 1.ª
dinastia, o 2.º até 1580, dinastia de Aviz, pois; subsequentemente,
consideram-se como períodos 1580, ainda
uma mudança dinástica a 1816, repare-se
que sem corte em 1640, mas os
oitenta anos precedentes podem qualificar-se de usurpação, e 1816 a 1910, data em que acabam as dinastias.
A data de 1816 é escolhida, em vez
de 1820, por exemplo, não para
arrancar o derradeiro período dos anos que prepararam a revolução liberal, mas
sim porque é o ano da morte de D. Maria I, que o autor reconhece todavia que
perdera o uso da razão. Não se poderia querer prova mais cabal do
tradicionalismo do critério adoptado; se percorrermos os volumes que tratam da
história política de cada período, verifica-se que o critério único é o dos
reinados sucessivos. Uma obra destinada ao grande público mas a que não faltam
certos méritos e da autoria de três historiadores reconhecidos (todos
colaboradores da Barcelos), a História de Portugal de Ângelo
Ribeiro, Newton Macedo e Hernâni Cidade, dedica o 1.º tomo às origens e 1.ª
dinastia, o 2.º torno à dinastia de
Aviz e aos Filipes, o 3.º à dinastia
de Bragança até à morte de D. Maria I, o 4.º
vai de João VI a 1920; naqueles três
segue-se a ordem dos reinados.
Vemos, portanto, que de longa data e até muito recentemente,
prevaleceu, na narrativa da história portuguesa, a arrumação das matérias em
grandes divisões por dinastias e, dentro destas, por reinados. Herdaram-se de
tal guisa os quadros fixados há séculos, quando a tarefa histórica era de encomenda
régia e se destinava a glorificar o soberano e consolidar o seu poder, colocando-o
no centro da vida nacional e como mola que a move toda. A primeira grande
compilação de crónicas data de alturas de 1420
e, embora ligada ao círculo do então infante Duarte, é o resultado do
ambiente novo gerado pela revolução de 1385,
com a nova monarquia a organizar-se verdadeiramente em Estado de direito
público. São de então as chamadas Crónica
dos Cinco Reis e Crónica dos Sete
Reis, compilações de crónicas dos reinados
de Afonso Henriques a Afonso IV (no segundo caso).
Mesmo com um cronista que tem como nenhum outro o sentido dos
movimentos colectivos, Fernão Lopes, o quadro não podia deixar
de ser traçado pela subida ao trono e morte dos vários soberanos, Pedro I,
Fernando I, João I, incluindo os reis anteriores ao primeiro. Em 1535-1536 Cristóvão Rodrigues
Acenheiro elabora ou reúne os Sumários
e alembrança das Corónicas dos Reis de Portugal: o próprio título indica
que, desde o conde Henrique até João III, o autor sumaria os acontecimentos
repartindo-os pelas governações dos reis».
In Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a História de Portugal,
Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.
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