Estâncias
[…]
Luz queimada
na carne de uma semente.
Astro
resplendendo como um grão de terra.
O céu tem dentro
uma escuridão de trevas.
Estrelas orgânicas
materializando a substância da cor.
Estrelas de cor carnal
feitas com a pele da terra.
Rochas. Calhaus miúdos.
Cor evaporando-se num oceano
de humidade.
Vejo a terra a largar a pele.
O último livor do seu rosto
sobe ao céu.
O enxugar do sólido.
Pedras a suarem fumo.
Os astros nascendo da cor do dia.
De noite a terra sublima-se.
Desfaz-se em pó de luar.
Nuvens pesadas de terra e água.
Vida visível de luz solidificada.
Ao fim do dia
o céu bebe a cor da terra
e resplandece em flores
de corolas em fogo.
Resina das árvores
consumindo-se nos astros.
Raízes luminosas e diurnas
a estalar no céu.
O céu bebe de um trago a terra
e faz-se um chão onde florescem os astros.
Cor evaporada em céu e luz
irradiando os seus fluidos crepitantes.
Estrelas bebendo a terra
e estalando como raízes no firmamento.
Estrelas como sementes
apertando nas suas esmagadas margens
a manhã do dia e da carne.
Liquefacção das estrelas em chuva
de madrugada.
Estrelas chegando à terra em cristal de água.
Céu vivo a desfazer-se em gotas
da cor do pólen.
Estrelas a pingar
um xarope frio e transparente.
Estrelas desfazendo-se em aroma.
Estrelas que coalham com a cor da terra.
Estrelas como flores perfumadas
transpirando seiva cristalina.
Estrelas cúbicas
na carne palpitando sémen.
Estrelas com vida
e com sangue.
[…]
Poema de António Cândido Franco, in ‘Estâncias Reunidas’
In António Cândido Franco, Estâncias Reunidas, 1977-2002, Quasi
edições, biblioteca Finita Melancolia, Vila Nova de Famalicão, 2002, ISBN
972-8632-64-9.
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