«(…) Deve ser atribuída a Estêvão (e não antes, pois a situação apenas
ocorre nos seus dias) a regulamentação genial do sistema hierárquico,
participativo e articulado de todas as abadias na gestão da Ordem. O abade de
Cister mantém a primazia, mas é regulado pela vigilância dos abades das
primeiras fundações (La Ferté, Pontigny, Claraval, Morimond); a ele
pertence servir de instância de apelo, e é ele quem convoca e preside o
Capítulo Geral da Ordem que reúne todos os anos os diversos abades e analisa o
cumprimento da Regra, mas não fica isento da correcção fraterna. As abadias são
autónomas e interdependentes: nenhuma ficar obrigada a prestações pecuniárias a
outra, mas todas acodem às dificuldades de cada uma. Não obstante a sua
autonomia, as abadias devem, antes de mais, obter o assentimento do bispo do
lugar e devem-se mutuamente o dever de caridade, que significa ajuda e
correcção. O capítulo geral é o instrumento fundamental da partilha monástica e
da sua regulamentação.
Quando Estêvão morre em 1133,
as fundações eram já 71 e depressa subirão em flecha, sendo já 352
à morte de Bernardo, em 1153;
continuando em ascensão, estendem-se aos mais diversos recantos da Europa, atingindo
640 comunidades em 1240. O número
de monges é impressionante, ainda que não uniformemente distribuído: em 1150, três anos antes da morte de Bernardo,
Claraval tem 500 monges, Cister 250. O êxito tem
sido explicado por razões várias de conivências
essenciais e de conluios internos
escolha apropriada dos locais de implantação, recrutamento de postulantes
adultos, com exclusão dos pueri oblati, o que caucionava a
estabilidade por razões de maturidade individual e maior sentido de
responsabilidade; acolhimento de excedentários demográficos particularmente das
linhagens senhoriais; resposta a expectativas e cultura aristocrática do tempo que,
de algum modo, transpõe para o mosteiro!
NOTA: Os números apresentados pelos diferentes analistas nem sempre
coincidem, pois dependem dos diferentes factores considerados. Os 500 do tempo
de Bernardo, aparecem assim distribuídos pelos bancos da igreja: 162
reservados ao monges (sendo 128 nos bancos do coro da frente e 34 no
coro de trás) e 328 destinados aos conversos. Não há obviamente que dar
fé a números fantasiosos que uma certa historiografia, de que é exemplo o nosso
Bernardo de Brito, procurou insinuar (para aquele, no seu auge, Alcobaça
teria albergado 999 monges, número totalmente fantasioso, pois não se adequa
aos próprios edifícios e lugares de serventia, igreja, refeitório, dormitório).
Costuma-se distribuir o fenómeno da expansão cisterciense dos primeiros tempos
por quatro fases: inícios (1119-1129), apogeu (1129-1153), nova ordem (1153-1240),
estagnação (após 1240). Retenha-se sobretudo a larga
expansão no tempo de Bernardo de Claraval, a irradiação a
partir sobretudo de Claraval e de Morimond, ultrapassando Cister, que ficava limitada pelas suas
obrigações de acolher anualmente os membros do Capítulo Geral. E a irradiação
que leva à reformulação dos textos, com intenção de vincar os dados
fundamentais da unanimidade na caridade. As alterações que se vão suceder ao
longo de um século (entre 1150 e 1240) levam alguns historiadores a falar de uma nova ordem cisterciense. Nesse período, o
predomínio francês (51% em 1150)
esbate-se ou perde-se (41% em 1200,
35% em 1240), Cister estagna, enquanto outras abadias
ganham dinamismo. Apenas mais tarde, por 1280,
o ramo feminino (cuja incorporação se dá em finais do séc. XII) adquire
projecção, atingindo pelo menos 300 comunidades em 1300. Não obstante a interpretação tradicional de que os
cistercienses teriam optado por lugares não apenas ermos, mas de horror e desolação, importará matizar
a leitura do Exordium Cistercii com o reconhecimento de que o passo bíblico
a que se recorre pressupõe sobretudo a manifestação da benevolência divina que
conduz o seu povo a um local onde possa revelar-se-lhe sem interferências de
outros; por outra parte, e independentemente de o autor do texto pretender
assinalar o afastamento do mundo e a rudeza das condições escolhidas (que são
lembradas ao noviço antes da sua profissão), importa assinalar que os locais
são escolhidos com atenção e abandonados quando não oferecem condições de vida
(as experiências de Molesme serviram,
aliás, de aviso), de tal modo que nada parece ser deixado ao acaso.
Com a diferença de categorias monásticas, os conversos têm o seu lugar
a partir de 1120; escoamento de
necessidades emergentes de uma nova sociedade onde surgem as universidades e se
instala uma economia monetária e mercantil; espiritualidade concordante com os
valores da cavalaria medieval, desde o espírito de heroísmo numa ascese rigorosa
ató à devoção mariana, sintomaticamente, invocando o exemplo de Cister, todas as abadias de fundação, e
não de filiação, serão postas sob a invocação de Maria». In Aires Nascimento, Cister,
Introdução, tradução e notas, Edições Colibri, Faculdade de Letras, Lisboa,
1999, ISBN 972-772-032-3.
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