quarta-feira, 8 de julho de 2015

A Favorita do rei Dinis. Vataça. Francisco do Ó Pacheco. «O controlo de Balduíno sobre o império bizantino era muito reduzido e a oposição que sofreu não tardou a gerar o surgimento de vários outros estados imperiais que dominaram durante muitos anos toda a Anatólia e a parte norte da Grécia»

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«(…) Eudóxia, sua mãe, havia explicado o que eram esses símbolos da cristandade e a sua importância. A Cruz do Santo Lenho era uma cruz de prata dourada de elevada decoração artística, que guardava no espaço interior do cruzamento dos dois braços, um pequeno bocado, ensanguentado, da madeira da cruz onde Jesus Cristo fora crucificado. Da cruz original, onde Jesus Cristo falecera, que fora descoberta no Monte do Calvário, em Jerusalém, no século IV por Santa Helena, mãe do imperador romano Constantino I. Essa cruz de madeira tinha sido repartida entre o oriente e o ocidente e distribuída ao longo dos séculos em pequeníssimos fragmentos por toda a cristandade. A Cruz do Santo Lenho, das mais antigas da cristandade, deveria estar ainda na posse de João IV Lascaris. A Cabeça-Relicário de S. Fabiano era uma cabeça antropomórfica em prata, de tamanho natural, que diziam conter no seu interior um crânio humano, que afirmavam ser do papa mártir S. Fabiano.
Estes objectos sagrados teriam ido de Roma para Constantinopla no ano de 974, levados pelo anti-papa Bonifácio VII, quando foi expulso de Roma pelo imperador Otão II, do Sacro-Império Romano-Germânico, que havia escolhido Bento VII para papa. Quando da divisão do império do oriente, em 1204, parte desses tesouros sagrados tinham ficado na posse dos imperadores de Niceia e o primeiro dos imperadores tinha sido Teodoro Lascaris. E desde essa altura os Lascaris tinham sido os fiéis depositários e guardadores de vários desses objectos sagrados. Coisas que à partida pareciam demasiado importantes para uma simples princesa bizantina, dama de companhia e aia das rainhas dona Isabel de Portugal e dona Constança de Castela. Mas seria que seu tio ainda as guardaria? E a expulsão de sua mãe, por seu pai, de Ventimiglia, a que se deveria? Com muitas dúvidas e muitas interrogações no pensamento Vataça Lascaris deixava-se dormir, já tarde, nessa noite, em Barcelona..., com o pensamento em sua mãe, que tinha feito um esforço enorme para lhes contar todas estas coisas que tanto a atormentavam. Até parecia que não queria morrer enquanto as não tivesse contado a seus filhos..., coitada..., estava tão fraquinha... No dia seguinte, já mais animada Eudóxia Lascaris continuou a contar a todos a história da família. Tudo começara com a quarta cruzada à Terra Santa, convocada em 1202 pelo papa Inocêncio III, com o apoio económico e financeiro da cidade de Veneza, que em vez de se dirigir a Jerusalém, como era suposto, se dirigiu a Constantinopla onde desferiu um ataque selvático à cidade. Disse-se então que esse ataque à capital do império romano do oriente fora em larga medida um correctivo às tendências independentistas e hereges dos clérigos do império do oriente, cuja ortodoxia vinha de há muito incomodando Roma. Em consequência, o imperador bizantino Alexius V fugiu de Constantinopla e os cruzados, que eram comandados pelo rei Balduíno da Flandres, criaram aquilo a que chamaram o novo Império Latino e instalaram-se na cidade.
O controlo de Balduíno sobre o império bizantino era muito reduzido e a oposição que sofreu não tardou a gerar o surgimento de vários outros estados imperiais que dominaram durante muitos anos toda a Anatólia e a parte norte da Grécia. Foram criados os novos estados do Epiro, no território junto ao mar Adriático, em terras gregas e albanesas. O estado de Trebizonda, no território mais oriental a sul do mar Negro e o estado de Niceia, na Bitínia, cuja cidade do mesmo nome, ficava na longitude de Constantinopla, no território ao su1 do mar de Mármara. Destes vários estados, Niceia era o que estava em melhores condições para o restabelecimento do poderoso império bizantino. E assim aconteceria». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.

Cortesia de PBooks/JDACT