segunda-feira, 13 de julho de 2015

Imperatriz Isabel de Portugal. Manuela Gonzaga. «… onde a delegação portuguesa virá a consumar a cerimónia de entrega de Isabel de Portugal à comitiva enviada por Carlos V para a receber. Daí, a rainha e imperatriz e o novo séquito, mais a gente que leva de Portugal a integrar a sua casa, deverão seguir de imediato para Badajoz»

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Cenas de um casamento imperial
«Nos primeiros dias de Fevereiro de 1526, um brilhante e numeroso séquito desfila pelos campos de Monforte em direcção a Elvas, acompanhado de trombetas, charamelas, menestréis e tambores, e ainda de bailarinos de mourisca e reis de armas. A viagem decorre em jornadas tranquilas, interrompidas por longas pausas. Por vezes, o cortejo segue o traçado da ria Flamínia, o caminho romano que ao fim de tantos séculos ainda mantém as pontes inalteradas e o chão calçado em muitos dos seus troços, num percurso onde se inscrevem antigas fontes e estalagens de almocreves, testemunhos da intensa ocupação da terra desde tempos muito remotos. Mas o horizonte é marcado por vestígios mais arcaicos: os misteriosos monumentos de pedra, antas, dólmenes e menhires, que antepassados de esquecida memória semearam por aqui.
A estrada desdobra-se numa paisagem sulcada por abundantes ribeiras, polvilhada de sobreiros, entrecortada de quando em vez pelo casario. Mas, apesar das paragens, as jornadas cumprem-se a muito bom ritmo. No dia 4 de Fevereiro já ficara para trás a Chamusca, Ponte de Sor e Alter do Chão. Agora, avança-se no propósito de chegar a Elvas no dia seguinte, onde se irá pernoitar. Depois, o trajecto continuará até à fronteira do Caia, no Guadiana, onde a delegação portuguesa virá a consumar a cerimónia de entrega de Isabel de Portugal à comitiva enviada por Carlos V para a receber. Daí, a rainha e imperatriz e o novo séquito, mais a gente que leva de Portugal a integrar a sua casa, deverão seguir de imediato para Badajoz.
A Primavera já se anuncia por entre as chuvas fortes que caem a intervalos irregulares ensopando os caminhos, e há no ar um clima de festa onde não falta a música, muitos risos e um sem-fim de conversas cruzadas. O povo, abandonando os lugares ou largando o labor dos campos, junta-se à melhor nobreza de Portugal e ao resplandecente cortejo de damas e donas que, nos seus alazões, mulas e andas, seguidos por homens de mão, escudeiros, peões, fronteiros, e precedidos por descomunais cerretas com tudo aquilo de que a gente de subida linhagem necessita nas suas deslocações, estão a escoltar a filha do Venturoso: a lindíssima dona Isabel, que vai para Castela ao encontro do marido, Carlos de Gante, pela graça de Deus imperador dos Romanos, rei das Espanhas, das duas Sicílias e de Jerusalém, arquiduque da Áustria, duque da Borgonha, conde da Flandres, do Tirol, e das Índias, ilhas e terra firme do Mar Oceano. Senhor, portanto, de quase metade do munclo.
E o cortejo não pára de aumentar. Com efeito, se nas primeiras jornadas desde Almeirim não ia a imperatriz tão acompanhada, dia após dia foi crescendo o número de pessoas que acorrem a saudá-la, começando também a somar-se à comitiva um número cada vez maior de castelhanos desejosos de ver se a sua rainha é tão bela como se diz. São pessoas honradas escreve Pedro Menezes, marquês de Vila Rea1, a João III. Nobres, portanto, muitos dos quais entraram embuçados em Alter do Chão, onde começaram a tomar pousada, instalando-se com grande à-vontade em estalagens, palácios, casas particulares, que se lhes franqueiam generosamente. É a nobreza espanhola à cruzar a fronteira para se juntar ao cortejo que emoldura a sua nova soberana. A infanta portuguesa é seguramente e mais rica princesa da cristandade. Mulher alguma que não fosse herdeira trouxe em casamento tão grande dote a seu marido: novecentos mil cruzados em dinheiro de contado, dobras de ouro castelhano, e mais cem mil em jóias e enxoval, diz Damião de Góis. Desta extraordinária quantia seria descontada a dívida do imperador Carlos V pelo dote da irmã, dona Catarina, mulher de João III, que montava a 165 232 dobras e dezasseis maravedis. E ainda o empréstimo vultuoso que Manuel I, anos antes, lhe concedera para fazer face às despesas bélicas com a rebelião das Comunidades, que totalizara 51 369 dobras e 315 maravedis.
No total, incluindo o que dona Isabel herdara de sua mãe, o dote atingia os seiscentos mil ducados, uma soma astronómica. Por seu lado, de arras, dona Isabel iria receber do noivo trezentas mil dobras de ouro castelhano, mais as quarenta mil dobras de ouro anuais para sustento da sua nova casa, quantia que, posteriormente, Carlos tria subir para as cinquenta mil dobras que seriam assentadas sobre certas cidades e vilas de que a rainha se tornaria Senhora, logo que fossem nomeadas». In Manuela Gonzaga, Imperatriz Isabel de Portugal, Bertrand Editora, Lisboa, 2012/2013, ISBN 978-972-252-416-2.

Cortesia de Bertrand/JDACT