Perto do mar a música é mais sábia
«Perto do mar a música é mais sábia:
humaniza o seu som,
e põe nas suas cadências um estranho
estremecimento do coração.
À sua modulação humana, junta
esse gemer, esse implorar
que vem do fundo dos séculos
para na areia cantar.
Perto do mar há ternuras novas
em sua plena virtude,
e é maravilha na maravilhosa
natureza em plenitude.
Com mais eternidade nos seus timbres
grande e humilde é simultaneamente.
À alma oferece o seu recolhimento
em milagroso germinar.
À alma oferece tudo o que é vida:
o devaneio, a dor,
e tudo se torna puro e luminoso
banhado
em ritmo criador».
In Jorge González Bastias, Chile (1879-1950)
O espelho de água
«O meu espelho, correndo pelas noites,
torna-se arroio e afasta-se do meu
quarto.
O meu espelho, mais profundo que a
orbe
onde todos os cisnes se afogaram.
É um tanque verde na muralha
e no meio dorme a tua nudez ancorada.
Sobre as suas ondas, debaixo de céus
sonâmbulos,
os meus sonhos afastam-se como barcos.
De pé sobre a popa ver-me-eis sempre
a cantar.
Uma rosa secreta cresce no meu peito
e um
rouxinol ébrio esvoaça no meu dedo».
In Vicente Huidobro, Chile (1893-1948)
Lxix
«Quanto nos buscas, oh mar, com os
teus volumes
docentes! Que inconsolável, que
atroz
estás sob o sol febril.
Com as tuas grandes enxadas saltas,
com as tuas folhas saltas,
com o machado cortas, cortas o louco
sésamo,
enquanto a chorar voltam as ondas,
depois
de abrirem os quatro ventos
e todas as recordações, em labiadas
salvas
de tunsgsténio, contracções de caninos
e estáticos eles quelónios.
Filosofia de asas negras que vibram
ao medroso tremor dos ombros do dia.
O mar, e uma edição de pé,
em sua única folha a face
voltada
para o reverso».
In César Vallejo, Peru, (1892-1918)
In
Isabel Aguiar Barcelos, O Mar na Poesia da América Latina, tradução de José
Baptista, Assírio Alvim, documenta poética, Lisboa, 1999, ISBN 972-370-527-3.
Cortesia
de AAlvim/JDACT