Estefânia
de Hohenzollern-Sigmaringen (1837-1859)
«Era uma vez uma princesinha que cresceu
nas terras verdes da Alemanha rodeada pelo amor dos pais, dos irmãos, dos imensos
pobres que socorria e sob as bênçãos de Deus que ela amava acima de tudo. Pelas
suas virtudes foi escolhida pelo jovem rei de um país longínquo que, desprezando
as riquezas, se guiou pela fama de bondade que a princesa já granjeara. Amou-a ternamente
e ela dedicou-lhe todas as suas horas, não esquecendo os infelizes do seu novo
país, com quem gastava os seus recursos. Mas este casal, que tão meigamente se amava,
só foi feliz durante catorze meses, pois Deus chamou-a ao céu e a rainha partiu,
deixando um rasto de luz atrás de si e a dor inconsolável do rei e do seu povo.
É esta a história que, em geral, se
transmite de dona Estefânia de Hohenzoliern-Sigmaringen, rainha de Portugal entre
1858
e 1859. Mas um tal conto de fadas dificilmente corresponderá à realidade.
A sua curta vida, tão ao gosto romântico, foi rapidamente idealizada e a lenda
formou-se, tanto em Portugal como em Düsseldorf, de onde saíra para se tornar rainha.
Como era de esperar, os elogios, proferidos e publicados quando morreu, traçam este
quadro de rainha perfeita: boa, meiga,
simples, piedosa, consagrada ao marido e sua família, caritativa no mais alto grau.
O rei Pedro V também contribuiu para a construção da imagem angélica de Estefânia
e para o agigantar do amor que os unia. Dois dias após o funeral, o Diário
de Governo publicou uma carta do rei dirigida ao duque da Terceira, presidente
do Conselho. Nela, o jovem viúvo descreve a esposa com estas palavras: … Era um coração para a terra e um espírito para
o céu. Em missiva particular ao príncipe Alberto de Inglaterra, não tornada
pública, é certo, mas que possivelmente este se encarregou de transmitir aos
seus muitos parentes e interlocutores, Pedro V escreve: … O que eu sentia pela minha Estefânia era mais do que amor; assemelhava-se
à adoração por aquele puro, piedoso e inocente ser que só sabia e só podia praticar
o bem. A sua natureza era perfeita de mais para o nosso mundo, qualquer coisa
demasiado bela e sublime para uma sociedade que, apesar de tudo, chorou por ela.
Ontem
um tálamo, hoje um túmulo, eis agora o paço do rei, profere
Rodrigues Sampaio, impressionado, como quase todos, com esta morre tão inesperada,
poucos meses após o casamento. A expressão foi glosada em muitas variações: … Parecia que ainda fumeavam os círios
nupciais mal apagados, e já se estavam acendendo as tochas funerárias... O Céu
chamou logo para si essa cândida pomba da inocência, esse Anjo da terra, a dona
Estefânia ou as grinaldas e os cândidos véus dos esponsais quase se tingiram de
luto na fronte da noiva real. Surgiram de imediato relatos biográficos da rainha.
No próprio ano da morte, António José Viale, o professor que ensinara Português
a dona Estefânia, publica sob anonimato uma pequena biografia que é um cântico de
louvor à nossa (quase dissera santa) rainha
dona Estefânia; modelo de
piedade, de modéstia, de doçura, de caridade para com os pobres, de afabilidade
para com todos; todos os que a viram em Lisboa, ou em suas vizinhanças, assistir
aos actos do culto divino, visitar os estabelecimentos de educação e de
beneficência, ou ainda simplesmente atravessar as ruas e praças da capital, correspondendo
com angélica suavidade de modos, sem a mínima quebra da majestade, às homenagens
e saudações populares, todos, digo, lhe ficaram consagrando profunda veneração e
respeitoso afecto.
Cinco anos depois, em 1864, a alemã Katharina Diez escreve também
a biografia de dona Estefânia, num texto de cariz idílico e romântico. A obra, que
canoniza a rainha, foi em 1873
publicada em português, sem nome de autor. Diez coloca nos lábios de dona Estefânia
frases deste tipo: … Eu quisera ter um grande
círculo de actividade e fazer muito bem neste mundo; o rei que me pede é muito bom
e eu vou ajudá-lo a fazer o seu povo feliz. Já em Portugal, conta a autora,
fez a felicidade do rei, que nunca ninguém vira sorrir, começou logo com grande
ardor, a proteger estabelecimentos de beneficência, hospitais e asilos para órfãos,
e fundou mesmo alguns para levantar a classe operária e aperfeiçoar as escolas.
Tinham-se esperado festejos brilhantes à chegada da formosa rainha e em vez disso
viam-na mover-se simplesmente como uma hábil
dona de casa da burguesia, dividindo o seu tempo entre o cumprimento exacto dos
seus deveres de soberana e o cuidado desvelado pela felicidade do seu esposo.
Foi um modelo de santa simplicidade e de suave dignidade. Sem se intrometer nos
negócios políticos tomava contudo a rainha grande interesse naquilo que afectava
mais o coração do rei, e seguia com seu juízo claro e perspicaz os planos que ele
formava para o bem do Estado e do povo. Estefânia
era uma branca pomba de Deus.
Em 1879 Francisco Benevides publica o seu livro com as biografias das rainhas
de Portugal. Dona Estefânia era uma figura simpática, meiga e poética, que passou
nestes reinos qual rápido e etéreo meteoro; dir-se-ia uma celeste visão que à terra
baixara a afagar o mancebo rei. O mito firmara-se. Não nego que as apreciações
de Viale, Diez e Benevides correspondam, grosso modo, à personalidade da dona
Estefânia, mas traçam dela uma imagem monolítica que trunca o seu carácter mais
complexo. Dona Estefânia era, obviamente, uma mulher real com fragilidades, preconceitos,
temores, antipatias, causas e crenças. O casal, como todos, passou por dificuldades.
O ano que viveu em Lisboa esteve e longe de ser feliz para esta jovem que viera
convicta de que tinha uma sublime missão a cumprir». In Maria Antónia Lopes, Rainha que
o povo amou, Dona Estefânia de Hohenzollern, Círculo de Leitores, 2011, ISBN
978-972-424-718-2.
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