Das Experiências de Além Mundo ao Supra-real
«(…) Digo comigo que não devo voltar a página sem associar o ano de 1924, em que Freud publicou a Autobiografia, ao aparecimento do
primeiro manifesto do surrealismo, autoria de André Breton. É o momento crucial
da fundação do movimento, com um texto fundador, se bem que desde 1919, ano do primeiro texto escrito
automático, se possam apreciar e em larga escala os trabalhos do grupo. No
magma em que estou a trabalhar esse texto interessa muito pelas relações com a
teoria freudiana, os trabalhos preparatórios acima referidos foram todos
concebidos e desenvolvidos debaixo do influxo das técnicas psicanalíticas que
Breton conhecia desde 1916, e pelo
que nele se encontra, ao menos em estado embrionário, relativo a Platão e aos
seus desenvolvimentos. Começo pela designação do movimento que aparece letreiro
do primeiro manifesto, surrealismo, manifeste
du surréalìsm. O nome, que na portuguesa língua teve hesitações, O'Neill
numa carta a Cesariny de Setembro de 1947
diz por exemplo: passo a expor os meus
projectos quanto a um possível movimento super-realista (creio ser este o
vocábulo a adoptar) português, antes de se fixar naquele que acabou por
vingar e que hoje é corrente, adaptação directa do francês, surrealismo, tem informes
vários no manifesto de 1924, de modo
a explicitar o seu sentido, ou o que com ele pretendia Breton, o que se entende
pela novidade muito recente do vocábulo e o seu pouco ou nenhum uso, já que
havia sido criado em 1917-18 por Apollinaire para classificar
em subtítulo, drame surréliste, sem mais, um livro seu, Les Mamelles de Tirésias. Significativa
nesse capítulo é a aproximação que Breton faz entre o que pretende dizer com a
palavra e aquilo que dois autores do século anterior, Carlyle em 1833-4
e Nerval em 1853, disseram quando usaram
a palavra super-naturalismo, o primeiro
no oitavo capítulo de Sartor Resartus
e o segundo na dedicatória de Filhas do
Fogo. Em relação a Nerval, Breton chega mesmo a dizer que ele possuiu no
seu tempo, não a letra da palavra, que cabe a Apollinaire, mas o seu espírito».
In
António Cândido Franco, Notas para a Compreensão do Surrealismo em Portugal,
Lisboa, Peniche, Évora, Editora Licorne, 2012, ISBN 978-972-8661-90-8.
Cortesia de Licorne/JDACT