domingo, 5 de julho de 2015

Geraldo Geraldes. O Sem-Pavor. «Ainda que as fontes não permitam perceber qual a composição e dimensão das forças comandadas por ‘Geraldo’, parece evidente que não constituíam uma grande hoste como as que eram mobilizadas pelas monarquias cristãs peninsulares»

Cortesia de wikipedia e jdact

Os primeiros sucessos
«(…) Vasta, populosa e rica, a cidade estava completamente rodeada por uma forte cintura de muralhas reconstruída no século X, depois de em 913 ter sido devastada pelo rei de Leão Ordonho II. Para além disso, encontrava-se também dotada de um imponente castelo, o que a convertia, em teoria, num alvo ainda mais difícil de alcançar. Contudo, sem o apoio da praça-forte de Alcácer, que os portugueses, na sequência de várias tentativas frustradas, haviam conquistado em 1160, e sem a cobertura de Beja, reduzida a ruínas, como vimos, em 1163, encontrava-se praticamente isolada e à mercê de quem se dispusesse a atacá-la, o que ajuda e explicar, por um lado, o porquê da escolha e a forma fácil como parece ter sido conquistada e, por outro, o facto de não ter sido, no imediato, objecto de uma contra-ofensiva muçulmana. As fontes não adiantam qualquer informação que permita reconstituir a operação, sabendo-se apenas que a cidade tombou, tal como Beja e Trujillo, através de uma operação furtiva lançada durante a noite, como sublinham os Annales D. Alfonsi, de modo a apanhar desprevenida a guarnição inimiga que, em poucas horas, terá sido completamente dominada. Porém, em lugar de reservar para si, como fizera com Trujillo, o domínio directo da praça-forte recém-conquistada, o caudilho volta a surpreender tudo e todos ao decidir entregá-la ao rei de Portugal.
Ainda que, como sugerimos já, a articulação e a comunhão entre os interesses estratégicos dos dois comandantes possam remontar à tomada de Beja, é com esta nova conquista que a relação entre ambos se estreita. Com efeito, em retribuição pela entrega da cidade, Afonso Henriques terá escolhido Geraldo para o cargo de alcaide-mor de Évora, uma nomeação a que tanto os Anais de Santa Cruz de Coimbra como o Al-Bayan, de Ibn Idari, aludem, ainda que de forma breve e pouco clara. Alguns autores veem neste acto, quanto a nós, com algum exagero, a expressão de uma relação feudo-vassálica que se teria então constituído ou cimentado. Contudo, parece-nos evidente, e independentemente de esse vínculo ter, ou não, existido, que O Sem-Pavor não teria muitas mais alternativas, pois dificilmente conseguiria assegurar o domínio efectivo da cidade apenas com as suas forças. Assim, entre pilhá-la e, depois, abandoná-la, como havia sido feito dois anos antes em Beja, e continuar a controlá-la, mesmo que em nome de Afonso Henriques, a opção terá sido, compreensivelmente, a entrega da cidade ao rei.
Esta venda, como pejorativamente é referida pelo cronista Ibn Idari, terá certamente trazido muitos benefícios para Geraldo. De facto, para além da consolidação de uma importante aliança militar e da obtenção do comando da praça-forte de Évora, o caudilho conseguiu ainda assegurar a posse directa de algumas pequenas fortificações próximas da cidade, como o Castelo dos Ladrões, mencionado, por exemplo, em documentos de meados do século XIII, ou o pequeno reduto amuralhado situado a sudoeste da urbe e onde a tradição ainda hoje assinala a localização do Castelo do Geraldo. Mas, acima de tudo, iria passar a beneficiar dos inúmeros recursos que Évora tinha para oferecer: protecção, riquezas, homens, armas, cavalos, alimentos, etc., ou seja, os meios de que necessitava para tornar ainda mais poderoso o exército que tinha sob as suas ordens.
Ainda que as fontes não permitam perceber qual a composição e dimensão das forças comandadas por Geraldo, parece evidente que não constituíam uma grande hoste como as que eram mobilizadas, por exemplo, pelas monarquias cristãs peninsulares para os habituais fossados lançados anualmente contra território inimigo. Pelo contrário. A preferência pelas conquistas furtivas, que envolviam uma logística extremamente simples; ou a rapidez e a discrição com que se deslocavam de um objectivo para o outro, o que remete também para um apurado sistema de informação e exploração do terreno, bem patentes na dificuldade revelada pelo adversário em prever e deter as suas incursões, apontam precisamente para contingentes relativamente reduzidos. Ainda assim, teriam um núcleo mais ou menos permanente na casa das três ou quatro centenas de combatentes veteranos, a que se acrescentavam as guarnições estacionadas nas fortalezas que, a pouco e pouco, iam sendo dominadas, uma cifra que certamente foi crescendo à medida que os êxitos se somavam e que a reputação do líder aumentava». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT