Os primeiros sucessos
«(…) Vasta, populosa e rica, a cidade estava completamente rodeada por uma
forte cintura de muralhas reconstruída no século X, depois de em 913 ter sido devastada pelo rei de Leão
Ordonho II. Para além disso, encontrava-se também dotada de um imponente
castelo, o que a convertia, em teoria, num alvo ainda mais difícil de alcançar.
Contudo, sem o apoio da praça-forte de Alcácer, que os portugueses, na
sequência de várias tentativas frustradas, haviam conquistado em 1160, e sem a cobertura de Beja,
reduzida a ruínas, como vimos, em 1163,
encontrava-se praticamente isolada e à mercê de quem se dispusesse a atacá-la,
o que ajuda e explicar, por um lado, o porquê da escolha e a forma fácil como parece
ter sido conquistada e, por outro, o facto de não ter sido, no imediato,
objecto de uma contra-ofensiva muçulmana. As fontes não adiantam qualquer informação
que permita reconstituir a operação, sabendo-se apenas que a cidade tombou, tal
como Beja e Trujillo, através de uma operação furtiva lançada durante a noite,
como sublinham os Annales D. Alfonsi, de modo a apanhar desprevenida a guarnição inimiga
que, em poucas horas, terá sido completamente dominada. Porém, em lugar de
reservar para si, como fizera com Trujillo, o domínio directo da praça-forte recém-conquistada,
o caudilho volta a surpreender tudo e todos ao decidir entregá-la ao rei de Portugal.
Ainda que, como sugerimos
já, a articulação e a comunhão entre os interesses estratégicos dos dois
comandantes possam remontar à tomada de Beja, é com esta nova conquista que a relação
entre ambos se estreita. Com efeito, em retribuição pela entrega da cidade, Afonso
Henriques terá escolhido Geraldo para o cargo de alcaide-mor de
Évora, uma nomeação a que tanto os Anais de Santa Cruz de Coimbra como o
Al-Bayan, de Ibn Idari, aludem, ainda que de forma breve e pouco clara. Alguns autores
veem neste acto, quanto a nós, com algum exagero, a expressão de uma relação
feudo-vassálica que se teria então constituído ou cimentado. Contudo, parece-nos
evidente, e independentemente de esse vínculo ter, ou não, existido, que O Sem-Pavor não teria muitas mais
alternativas, pois dificilmente conseguiria assegurar o domínio efectivo da
cidade apenas com as suas forças. Assim, entre pilhá-la e, depois, abandoná-la,
como havia sido feito dois anos antes em Beja, e continuar a controlá-la, mesmo
que em nome de Afonso Henriques, a opção terá sido, compreensivelmente, a entrega
da cidade ao rei.
Esta venda, como pejorativamente é referida pelo
cronista Ibn Idari, terá certamente trazido muitos benefícios para Geraldo.
De facto, para além da consolidação de uma importante aliança militar e da obtenção
do comando da praça-forte de Évora, o caudilho conseguiu ainda assegurar a posse
directa de algumas pequenas fortificações próximas da cidade, como o Castelo dos Ladrões, mencionado, por
exemplo, em documentos de meados do século XIII, ou o pequeno reduto amuralhado
situado a sudoeste da urbe e onde a tradição ainda hoje assinala a localização do
Castelo do Geraldo. Mas, acima
de tudo, iria passar a beneficiar dos inúmeros recursos que Évora tinha para oferecer:
protecção, riquezas, homens, armas, cavalos, alimentos, etc., ou seja, os meios
de que necessitava para tornar ainda mais poderoso o exército que tinha sob as suas
ordens.
Ainda que as fontes não permitam perceber qual a composição e dimensão das
forças comandadas por Geraldo, parece evidente que não constituíam
uma grande hoste como as que eram mobilizadas, por exemplo, pelas monarquias cristãs
peninsulares para os habituais fossados lançados anualmente contra território inimigo.
Pelo contrário. A preferência pelas conquistas furtivas, que envolviam uma logística
extremamente simples; ou a rapidez e a discrição com que se deslocavam de um objectivo
para o outro, o que remete também para um apurado sistema de informação e exploração
do terreno, bem patentes na dificuldade revelada pelo adversário em prever e
deter as suas incursões, apontam precisamente para contingentes relativamente
reduzidos. Ainda assim, teriam um núcleo mais ou menos permanente na casa das três
ou quatro centenas de combatentes veteranos, a que se acrescentavam as guarnições
estacionadas nas fortalezas que, a pouco e pouco, iam sendo dominadas, uma cifra
que certamente foi crescendo à medida que os êxitos se somavam e que a reputação
do líder aumentava». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros
Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-486-4.
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