A Herança d’O Bolonhês. Ventos e casamentos
«(…) Mas Dinis I, que em 1295
se preparara mesmo para intervir militarmente em Castela em apoio ao monarca
espanhol Juan, acabará por recuar na sua posição. Para isso contribuiu o
encontro com Enrique, tutor de Fernando IV, então com dez anos, que trazia ao
rei português uma proposta de tréguas, acompanhada da promessa de uma nova
demarcação da fronteira entre os dois reinos e que contemplava a entrega imediata
a Portugal das vilas de Noudar, Serpa, Moura e Mourão e, mais tarde, em 1296, de Aroche e Aracena. A aceitação
de tão atraente oferta abriu caminho para uma nova entrevista, em Ciudad
Rodrigo, com o próprio Fernando IV, com a rainha-mãe, dona Maria Molina, e com
Enrique, na qual foi acordado o casamento entre o jovem monarca castelhano e a
infanta dona Constança, filha de Dinis I. E assim, uma vez mais, o rei e o
infante voltavam a encontrar-se em lados opostos da barricada. Contudo, na
sequência do auxílio militar aragonês às pretensões de Alfonso la Cerda à Coroa
castelhana, Dinis I volta a inverter a sua posição e alia-se a Jaime II de
Aragão, seu cunhado. Nos planos dos dois soberanos estava um ambicioso projecto
que consistia, por um lado, no afastamento de Fernando IV e, por outro, na
divisão de Castela em duas entidades políticas distintas, com o infante Juan
como rei de Leão, da Galiza e de Sevilha, enquanto Alfonso la Cerda assumiria o
título de rei de Castela, de Toledo, de Córdova, de Múrcia e de Jaén. É, pois,
com a perspectiva de um enfraquecimento do reino vizinho, que só poderia trazer
benefícios para os outros reinos peninsulares, que Dinis I se envolve neste vespeiro. E, deste modo, é possível que Afonso, mais uma vez a perspectivar a
possibilidade de a sua filha ascender ao trono de Leão, da Galiza e de Sevilha,
tenha voltado a apoiar abertamente a política externa do irmão. Ainda assim, as
fontes não o registam entre as forças portuguesas que, em 1296, sob a liderança do próprio rei português, invadiram Castela.
Porém, a campanha salda-se num quase total fracasso, já que não foram
alcançados os objectivos político-militares de derrubar Fernando IV e de
fragmentar o gigante castelhano. Ainda assim, Dinis I acabaria por conseguir
ocupar militarmente as praças-fortes de Alfaiates, do Sabugal e de Castelo Rodrigo
que, em 1297, seriam formalmente
entregues a Portugal no âmbito dos acordos então firmados em Alcanices. E como
seria de esperar, na sequência deste tratado, onde Afonso estará presente, foi também ratificado o acordo de casamento
entre Fernando IV e dona Constança, filha de Dinis I, bem como o matrimónio de dona
Beatriz, irmã do rei castelhano, com o herdeiro do trono português, o futuro
Afonso IV. Mais uma vez, o infante de Portalegre e os seus interesses em
Castela seriam relegados para um segundo plano.
Mas havia ainda um outro problema a perturbar as relações entre os dois
filhos d’O Bolonhês e de dona Beatriz;
a tentativa por parte de Afonso de
assegurar os direitos dos seus filhos, considerados ilegítimos porquanto
resultantes de um casamento que a Igreja não reconhecia. Com efeito, Afonso e dona Violante eram parentes em
grau de consanguinidade interdito, já que ambos descendiam de Fernando III de
Leão e Castela, bisavô de Afonso e
avô de dona Violante Manuel. Do casamento resultara o nascimento de um filho e
de quatro filhas: Afonso, Isabel, Constança, Maria e Brites, nascidos em
altura que se desconhece. Isso não foi, contudo, impeditivo de que viessem a
contrair matrimónio com figuras destacadas da nobreza castelhana: a primeira,
casou, como ficou já registado, com Juan, El
Tuerto; a segunda com Juan Nuñez Lara, irmão de Álvaro Nuñez; a terceira com
Telo, sobrinho de dona Maria Molina, mulher de Sancho IV; e a quarta com o
poderoso fidalgo galego Pedro Fernandez Castro. Quanto a Afonso, sobre quem muito pouco se sabe, frei Francisco Brandão
sugere que terá morrido ainda muito jovem, talvez antes de 1300. Com efeito, o
grande problema que esta situação de ilegitimidade acarretava era a
impossibilidade de Afonso lhes
transmitir o seu senhorio, já que uma das condições impostas por Afonso III era
que só poderia ser legado a herdeiros legítimos, o que, em virtude da falta de reconhecimento
do casamento por parte da Igreja, não era o caso.
Ainda assim, em Fevereiro de 1297,
provavelmente para apaziguar o irmão e evitar que pudesse colocar em xeque as
negociações preparatórias do Tratado de Alcanices, que então decorriam,
o rei decide legitimar os sobrinhos. Fê-lo, no entanto, contra a vontade
publicamente expressa da rainha dona Isabel, que invocou, por um lado, os direitos
do seu filho e herdeiro do trono, o futuro Afonso IV e, por outro, o prejuízo
que a transmissão do senhorio poderia vir a constituir para a Coroa, que perderia
definitivamente o controlo sobre esses territórios, como os principais
problemas para se opor à legitimação dos herdeiros de Afonso. De nada lhe serviu, pois Dinis I não alterou a sua posição».
In
Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.
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