sexta-feira, 3 de julho de 2015

Infante Afonso Sanches. Senhor de Portalegre. «Mas havia ainda um outro problema a perturbar as relações entre os dois filhos d’O Bolonhês e de dona Beatriz; a tentativa por parte de Afonso de assegurar os direitos dos seus filhos, considerados ilegítimos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Herança d’O Bolonhês. Ventos e casamentos
«(…) Mas Dinis I, que em 1295 se preparara mesmo para intervir militarmente em Castela em apoio ao monarca espanhol Juan, acabará por recuar na sua posição. Para isso contribuiu o encontro com Enrique, tutor de Fernando IV, então com dez anos, que trazia ao rei português uma proposta de tréguas, acompanhada da promessa de uma nova demarcação da fronteira entre os dois reinos e que contemplava a entrega imediata a Portugal das vilas de Noudar, Serpa, Moura e Mourão e, mais tarde, em 1296, de Aroche e Aracena. A aceitação de tão atraente oferta abriu caminho para uma nova entrevista, em Ciudad Rodrigo, com o próprio Fernando IV, com a rainha-mãe, dona Maria Molina, e com Enrique, na qual foi acordado o casamento entre o jovem monarca castelhano e a infanta dona Constança, filha de Dinis I. E assim, uma vez mais, o rei e o infante voltavam a encontrar-se em lados opostos da barricada. Contudo, na sequência do auxílio militar aragonês às pretensões de Alfonso la Cerda à Coroa castelhana, Dinis I volta a inverter a sua posição e alia-se a Jaime II de Aragão, seu cunhado. Nos planos dos dois soberanos estava um ambicioso projecto que consistia, por um lado, no afastamento de Fernando IV e, por outro, na divisão de Castela em duas entidades políticas distintas, com o infante Juan como rei de Leão, da Galiza e de Sevilha, enquanto Alfonso la Cerda assumiria o título de rei de Castela, de Toledo, de Córdova, de Múrcia e de Jaén. É, pois, com a perspectiva de um enfraquecimento do reino vizinho, que só poderia trazer benefícios para os outros reinos peninsulares, que Dinis I se envolve neste vespeiro. E, deste modo, é possível que Afonso, mais uma vez a perspectivar a possibilidade de a sua filha ascender ao trono de Leão, da Galiza e de Sevilha, tenha voltado a apoiar abertamente a política externa do irmão. Ainda assim, as fontes não o registam entre as forças portuguesas que, em 1296, sob a liderança do próprio rei português, invadiram Castela.
Porém, a campanha salda-se num quase total fracasso, já que não foram alcançados os objectivos político-militares de derrubar Fernando IV e de fragmentar o gigante castelhano. Ainda assim, Dinis I acabaria por conseguir ocupar militarmente as praças-fortes de Alfaiates, do Sabugal e de Castelo Rodrigo que, em 1297, seriam formalmente entregues a Portugal no âmbito dos acordos então firmados em Alcanices. E como seria de esperar, na sequência deste tratado, onde Afonso estará presente, foi também ratificado o acordo de casamento entre Fernando IV e dona Constança, filha de Dinis I, bem como o matrimónio de dona Beatriz, irmã do rei castelhano, com o herdeiro do trono português, o futuro Afonso IV. Mais uma vez, o infante de Portalegre e os seus interesses em Castela seriam relegados para um segundo plano.
Mas havia ainda um outro problema a perturbar as relações entre os dois filhos d’O Bolonhês e de dona Beatriz; a tentativa por parte de Afonso de assegurar os direitos dos seus filhos, considerados ilegítimos porquanto resultantes de um casamento que a Igreja não reconhecia. Com efeito, Afonso e dona Violante eram parentes em grau de consanguinidade interdito, já que ambos descendiam de Fernando III de Leão e Castela, bisavô de Afonso e avô de dona Violante Manuel. Do casamento resultara o nascimento de um filho e de quatro filhas: Afonso, Isabel, Constança, Maria e Brites, nascidos em altura que se desconhece. Isso não foi, contudo, impeditivo de que viessem a contrair matrimónio com figuras destacadas da nobreza castelhana: a primeira, casou, como ficou já registado, com Juan, El Tuerto; a segunda com Juan Nuñez Lara, irmão de Álvaro Nuñez; a terceira com Telo, sobrinho de dona Maria Molina, mulher de Sancho IV; e a quarta com o poderoso fidalgo galego Pedro Fernandez Castro. Quanto a Afonso, sobre quem muito pouco se sabe, frei Francisco Brandão sugere que terá morrido ainda muito jovem, talvez antes de 1300. Com efeito, o grande problema que esta situação de ilegitimidade acarretava era a impossibilidade de Afonso lhes transmitir o seu senhorio, já que uma das condições impostas por Afonso III era que só poderia ser legado a herdeiros legítimos, o que, em virtude da falta de reconhecimento do casamento por parte da Igreja, não era o caso.
Ainda assim, em Fevereiro de 1297, provavelmente para apaziguar o irmão e evitar que pudesse colocar em xeque as negociações preparatórias do Tratado de Alcanices, que então decorriam, o rei decide legitimar os sobrinhos. Fê-lo, no entanto, contra a vontade publicamente expressa da rainha dona Isabel, que invocou, por um lado, os direitos do seu filho e herdeiro do trono, o futuro Afonso IV e, por outro, o prejuízo que a transmissão do senhorio poderia vir a constituir para a Coroa, que perderia definitivamente o controlo sobre esses territórios, como os principais problemas para se opor à legitimação dos herdeiros de Afonso. De nada lhe serviu, pois Dinis I não alterou a sua posição». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT